domingo, 3 de julho de 2016

ENTENDA O SOP E O NORMAL CHECK-LIST DOS E-JETS - E-1

“Those who don’t hear the music…Think the dancers are mad”
Autor desconhecido
I- INTRODUÇÃO
Em uma experiência com voluntários, os expectadores que assistiam a um jogo de basquete foram orientados para contar quantos passes eram efetuados pelos times. Metade da assistência foi orientada para contar os passes do time de uniforme branco e a outra metade do time de uniforme preto.
Durante o jogo, um homem vestido de gorila cruzou a quadra, parou no meio, bateu no peito e foi embora.
Quando interrogados se perceberam o “gorila”, metade da assistência respondeu que não, notadamente aqueles que estavam contando as jogadas efetuadas pelo time de uniforme branco.
A mágica também nos fornece uma interessante observação sobre a atenção dos humanos. O mágico, basicamente, distrai a atenção do público enquanto o engana efetuando ações que, aos olhos do público, não ocorreram.
Estes exemplos reforçam as conclusões dos cientistas sobre a atenção dos humanos. O cérebro humano foca no ponto que exige mais atenção, ou que a pessoa decidiu dar mais atenção, e diminui a atenção para os outros acontecimentos.
Na verdade, não conseguimos ficar totalmente atentos a mais de uma coisa, ao mesmo tempo. Quando aumentamos a atenção em uma coisa, diminuímos na outra.
É como se, ao aumentar o “volume” para uma situação, o “volume” das outras diminuísse, automaticamente.
E o que é que a Aviação tem a ver com isso?
Em situações que exigem muita atenção, involuntariamente ou não, somos levados a focar em apenas um ponto. Isto normalmente acontece quando estamos resolvendo situações que exigem muito “workload”.
II- PROCEDIMENTOS PADRONIZADOS
Estabelecer procedimentos padronizados passou a ser uma grande preocupação da área de “human factors” a partir de 1969, após a ocorrência de alguns acidentes relacionados com a configuração imprópria de aeronaves a jato para a decolagem:
- Em 1969, um B-707 da PANAM caiu após ter efetuado uma decolagem sem Flaps;
- Em 1988, um MD-80 da North-West caiu após decolar de Detroid. Também não configurou corretamente os Flaps/Slats;
- No ano seguinte, foi a vez de um B-727 da Delta - mesmo problema;
- Em 1990, o voo 5050 da US Airways (B-737) varou a pista de La Guardia, NY, após tentar decolar com o “pitch trim” ajustado incorretamente.
Após terem sido estabelecidas novas defesas para evitar acidentes relacionados aos procedimentos, uma nova ameaça surgiu, desta vez identificada pela NASA:
De acordo com estatísticas da NASA, o desvio do SOP é o principal fator contribuinte em 33% dos acidentes causados por falha dos tripulantes (fator operacional).
À primeira vista, pode parecer um problema puramente disciplinar. No entanto, o desenvolvimento inadequado de procedimentos pode ter uma grande contribuição quanto aos desvios.
O objetivo deste POST é orientar o desenvolvimento de procedimentos padrões e de CL, com a finalidade de minimizar os desvios, quer sejam involuntários ou propositais.
1- Desvios do SOP ou do CL
- Quais as causas que levam o piloto a desviar do SOP/CL?
- Como podemos evitar/minimizar estas causas?
Entre outros motivos, os pilotos desviam do SOP/CL quando:
·        Ambiguidade - se o SOP não for bem escrito, ele pode ter várias interpretações e isto certamente causará desvios;
·        Redução de “workload” - a tarefa é difícil e o piloto conhece uma maneira mais simples, fácil e segura para efetuá-la;
·        Individualidade - o piloto é experiente e tem certeza que sua técnica é melhor e mais segura.
Como mitigar os desvios?
- Ambiguidade - a explicação sobre os procedimentos não pode deixar margem para dupla interpretação. Neste aspecto, o “feedback” é uma importante ferramenta para identificar os procedimentos dúbios. A tarefa de Operações é prestigiar e incentivar o “feedback” dos usuários.
- “Workload” – o setor de Operações deve estar atento a procedimentos que provoquem alto “workload”, principalmente nas fases críticas do voo (decolagem, aproximação e pouso). Eles devem ser identificados e reduzidos, ou movidos para outra fase com menor “workload”.
- Individualidade - Os procedimentos, em princípio, não devem conter técnicas. Isto dará oportunidade aos pilotos de expressarem sua individualidade e experiência. Somente as técnicas realmente necessárias devem constar do SOP, sempre bem fundamentadas.
III – DESENVOLVIMENTO DE PROCEDIMENTOS PADRONIZADOS
“Se não for necessário mudar, então é necessário NÃO mudar.”
Autor desconhecido.
Principalmente no Brasil, quase todo comandante de Linha Aérea se acha PHD em “human factors”. Basta ser colocado em uma função administrativa no setor de Operações para ser “iluminado” como um profundo conhecedor do assunto.
Desenvolver procedimentos é uma ciência complexa, que exige conhecimentos teóricos adequados, além da prática.
1- Desenvolvimento do SOP e do Normal CL dos E-Jets
“Qualquer semelhança é mera coincidência”
Para ilustrar o assunto, vamos imaginar uma reunião de instrutores, todos com experiência em Empresas de Linha Aérea, cuja agenda da reunião é a elaboração do SOP e do normal CL dos E-Jets.
Primeiro dia - alguns trechos dos debates:
- “Eu penso que o CL deve conter todos os itens a serem verificados, por maior que possa ser”, falou um dos instrutores;
- “Na Empresa onde eu trabalhava, tinha CL a 10.000 pés, na subida e na descida”, apoiou o outro;
- “Na Empresa onde eu voava um piloto decolou sem ajustar o cinto de segurança... penso que isto deveria constar do CL”, disse outro instrutor com sarcasmo;
- “Gente, alguns procedimentos são “airmanship”, o piloto tem que saber e não há necessidade de CL. Faz parte da sua profissão”, argumentou o quarto. “Não há necessidade de colocar, no “Before takeoff”, um item para verificar se os motores foram acionados”, reforçou.
A reunião continuou acalorada.
FALOU O CHEFE:
- “Gente, não vamos chegar a nenhuma conclusão. O fato é que não sabemos fazer essa p____!!! Necessitamos ajuda”.
O único resultado do primeiro dia de reunião foi o entendimento da necessidade de se definir um guia para o desenvolvimento dos procedimentos e do CL. Esse guia deveria estipular critérios e parâmetros.
Segunda semana: após muito estudo, discussões e pesquisa, chegou-se à conclusão da necessidade de se criar uma filosofia balizadora do trabalho, bem como definir critérios, parâmetros e conceitos.
a – Filosofia para o Desenvolvimento do SOP e CL:
Os procedimentos devem:
- Priorizar a segurança sobre a economia;
- Reduzir o “workload” da tripulação;
- Ser adequados à tecnologia da aeronave;
- Ser adequados ao cenário operacional (Regional, Nacional, Cargo, etc.);
- Coordenar as ações que envolvam a equipe de solo;
- Coordenar as ações que envolvam a equipe de comissários;
- Atender aos regulamentos da Aviação Civil;
- Mitigar riscos para a aeronave e/ou seus sistemas, para qualquer pessoa e para o meio ambiente;
- Assegurar que a aeronave esteja preparada para uma determinada fase do voo, de uma maneira padronizada e dentro de um período adequado;
- Definir as tarefas de cada tripulante.
b- Tipos de Normal CL:
Do and Verify – para as rotinas normais e diárias;
Read and Do - para a execução de procedimentos não rotineiros;
Silence CL – procedimentos que não necessitam da redundância do outro piloto.
Nota – algumas rotinas podem não necessitam da leitura do CL. Identificar essas rotinas pode reduzir muito o “workload”. Normalmente essas rotinas são muito obvias e sem consequências, caso algum item seja esquecido.
Exemplos:
- Ligar os faróis antes da decolagem;
- Procedimentos após o pouso (flap, luzes, ajuste do “trim”).
c- Conteúdo do Normal CL:
Considerando que muitos itens podem “mascarar” os itens importantes, aumentar o “workload” e mecanizar a operação, o Normal CL deve conter o mínimo de itens possível, obedecendo a filosofia estabelecida.
Especial atenção deve ser dada aos os itens críticos (potenciais provocadores de acidentes). Para estes, embora possam ser verificados pelo sistema de alarme do avião, é necessária redundância.
Ex. Ajuste dos flaps para decolagem ou pouso.
d - Call Outs:
A política definida para balizar os “call outs” deve ter relação com os alertas e evidências proporcionados pelo sistema de alerta da aeronave.
(1)- Conceitos básicos:
“Call out” é um alerta padrão que um piloto faz para comunicar-se com o outro piloto.
Para que serve o “call out”?
O “call out” é importante, pois ajuda a manter o alerta da tripulação.
O “call out” tem custo?
Muitos pensam que o “call out” não tem “custo”. Na realidade os “call outs” devem ser escolhidos com critério, pois eles reduzem a atenção aumentam o “workload”.
Tipos de “Call out”:
. Por exceção: aquele que o piloto só anuncia quando algo está errado.
Ex. Partida do motor dos E-Jets.
. Sing Song: aquele que o piloto anuncia tudo, o tempo todo.
Quando usar um ou outro?
É aí que entra o trabalho do Flight Standard, avaliar cada “call out” e ver se ele é realmente necessário, bem como definir o tipo (exceção ou sing song).
(2)- Fatores a considerar na definição dos “call outs”:
- Principalmente durante as fases críticas do voo (decolagem, aproximação e pouso), os “call outs” devem ser simples, lógicos, fácil de memorizar e de treinar e sem ambiguidade;
- Se a tarefa for longa, previsível e estável, o tipo “sing song” pode não ser adequado, pois sobrecarrega o piloto;
- O tipo “sing song” é bom quando a tarefa é muito dinâmica e instável, ou que requeira alto nível de monitoramento. Entretanto, eles devem ser concebidos com economia;
- Se o sistema for previsível e temporal, o tipo “por exceção” pode ser o melhor;
- Se a tarefa ocorrer em frente aos pilotos e for evidente, o tipo “por exceção” deve ser considerado.
- Tecnologia da aeronave – o “call out” deve estar de acordo com a tecnologia:
. Quanto menos “situation awareness” a aeronave fornecer, mais “call outs” são necessários. Ex. Quando a aeronave fornece poucas evidências de que os motores aceleraram, há necessidade de mais “call outs” se comparado com outra aeronave onde as evidências são maiores;
. Alertas do avião – caso a aeronave possua um sistema de aviso que proporcione um alerta de situação preciso e seguro, o “call out” relativo a este aviso deve analisado quanto a sua validade. Ex. Se a aeronave informa quando faltam 1000 pés para o nível/altitude selecionado, o “call out” do piloto talvez possa ser mais simples ou inexistente. É mais importante é acompanhar o nivelamento.
- Exceedance na operação – a tendência do pessoal de Operações é achar que os problemas de “exceedance” podem ser resolvidos com “call outs”. A raiz do problema deve ser bem definida, pois pode ser um problema de treinamento ou outro fator.
- Padronização com outro tipo de aeronave – existe uma tendência para a padronização das operações (na boa intenção de facilitar a transição entre os equipamentos), sem considerar a diferença de automação. A diferença de concepção da aeronave deve ser considerada e balizar os “call outs”.
- Airmanship – muitas tarefas são naturais e lógicas. Elas são consideradas inerentes ao aviador e, portanto, não há necessidade de um “call out”. Estas tarefas, caso o esquecimento possa ser evidente e o seu esquecimento não seja “danoso”, não necessitam de “call out”.
(3)- Questionário a ser efetuado ao criar/cancelar um “call out”:
- O “call out” é realmente necessário?
- O “call out” pode ser mais simples?
- O que pode ocorrer se o “call out” não for efetuado?
- O sistema de avisos da aeronave é suficiente ou há necessidade de redundância?
- Que tipo de “call out” deve ser aplicado? “Sing song” ou “por exceção”?
IV- CL dos E-JETS
O CL dos E-Jets foi desenvolvido de acordo a filosofia e critérios abordados neste POST e visa reduzir o “workload” da tripulação (sem afetar a segurança). Ele foi reduzido ao máximo, mas não há impedimento se o operador acrescentar itens para adequá-lo aos diferentes cenários da operação.
BEFORE START

CHALLENGE                                                RESPONSE                                 ANSWERED BY
Pax signs panel .................SET ..................................LSP
PRESSURIZATION Panel..SET ..................................LSP
Oxygen masks...................CKD……….........................LSP/RSP
Flight instruments ..............X-CKD................................LSP
Thrust levers......................IDLE....................................LSP
------------------------------------------------------------------------------------------------
Fuel QTY ...........................CKD .........................LSP/RSP
MCDU................................SET ..................................LSP
TRIM Panel........................___ SET/ZERO/ZERO.....LSP
Doors & windows...............CLSD........................LSP/RSP
Red beacon .......................ON....................................LSP
Emergency/Parking brake .AS RQRD.........................LSP
AFTER STARTFTER START
CHALLENGE                                                    RESPONSE                                                ANSWERED BY
Ground equipment.............REMOVED.......................LSP
SLAT/FLAP........................___ SET...........................LSP
Flight controls ....................CKD .................................LSP
BEFORE TOBEFORE TAKEOFF
CHALLENGE                                                    RESPONSE                                                  ANSWERED BY
Brakes temp ......................CKD ............................... ..LSP
EICAS................................CKD ............................... ..LSP
Transponder ......................TA/RA ..............................LSP
Takeoff configuration.........CKD ............................... ..LSP
AFTER TOAFTER TAKEOFF
CHALLENGE                                                    RESPONSE                                                   ANSWERED BY
Landing gear......................UP..................................... PM
SLAT/FLAP........................0 ....................................PM
APPROACH
CHALLENGE                                                   RESPONSE                                                  ANSWERED BY
Pax signs panel .................SET.................................. PM
Altimeters...........................SET/X-CKD...................... PF/PM
BEFORE LANDINGEFORE LANDING
CHALLENGE                                                     RESPONSE                                                ANSWERED BY
Landing gear ......................DOWN............................. PF/PM
SLAT/FLAP........................___ SET …....................... PF/PM
SHUTDOWNSHUTDOWN
CHALLENGE                                                   RESPONSE                                                  ANSWERED BY
Emergency/Parking brake .SET .................................LSP
START/STOP selectors.....STOP ...............................LSP
Hyd pump 3A.....................OFF ..................................LSP
LEAVING THE AIRPLANELEAVING THE AIRPLANE
CHALLENGE                                                    RESPONSE                                                   ANSWERED BY
Pax signs panel .................OFF ..................................LSP
GPU/APU...........................OFF ..................................LSP
Batteries 1 and 2................OFF ...............................LSP
V- CONCLUSÃO
“Se o procedimento for mal desenvolvido, mesmo os pilotos responsáveis desviam”. NASA
Procedimentos e CL não substituem o piloto inteligente. Eles devem ser concebidos para representar uma linha base de padronização e devem evitar reduzir o voo a um ritual quase sem cérebro.
Antes de desenvolver o SOP e o CL, a Empresa deve estabelecer uma filosofia e política operacionais. Esta ação é fundamental, pois elas guiarão todas as ações da Empresa: treinamento, manutenção, marketing, etc.


Veja o artigo “ON DESEGN OF FLIGHT DECK PROCEDURES” para mais detalhes sobre a elaboração de SOP.


Happy landings



sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Meteorologia para Aviadores

“Formação de gelo, raios, turbulência, granizo e outros bichos"


I- INTRODUÇÃO
Durante minha longa jornada como Aviador, em todos os cursos sobre Meteorologia, sempre percebi a falta de um “link” entre o meteorologista e o piloto. O idioma do meteorologista nunca me interessou e a motivação para o aprendizado era passar na prova, em vez de aprender.
Os cursos, normalmente compulsados pela legislação, nunca motivaram meu aprendizado positivamente, uma opinião compartilhada pela maioria dos colegas de profissão. Quando ouvia falar em Frente, adiabática, saturação, convecção, ciclone, anticiclone, oclusa, etc, já perdia totalmente o interesse.
Este POST é focado, principalmente, na formação de gelo em aeronaves (icing), pois a análise de vários acidentes ocorridos evidenciou que os pilotos necessitam um melhor entendimento sobre “icing”.
Aproveitei também a oportunidade para sobrevoar outros perigos causados por CBs, um fenômeno do qual devemos passar longe, pelo menos 20 NM.
Espero motivar os colegas, como também a ajudá-los a voar com mais segurança.
Desperto o assunto com algumas perguntas que talvez sejam dúvidas de muitos:
- As aeronaves de transporte mais modernas são certificadas para voar em todas as condições de formação de gelo?
- Sob o ponto de vista de “icing”, voar em regiões com gotas d´água supercongeladas e/ou com “freezing drizzle/rain” é mais perigoso do que voar em regiões com cristais de gelo?
- Os raios tão são perigosos quanto aparentam?
- E o fogo de Saint Elmo, oferece perigo?
- Turbulência pode danificar a aeronave estruturalmente?
- O RADAR meteorológico indica granizo, apropriadamente?
1- Siglas e Definições:
LWC (liquid water content) – é a quantidade de água em um determinado volume de ar. Ex. 3.0 gramas/m3. Nas condições apropriadas, quanto maior a concentração de água, mais rápida a formação de gelo nas aeronaves.
Micron – unidade de medida utilizada para medir o diâmetro das gotas d´água. Um micron é igual a 10-3 mm (milésima parte do milímetro).
MVD (mean droplets diameter) – o diâmetro médio da gota d´água é usado para definir parâmetros de certificação, juntamente com a temperatura e a quantidade de água em um determinado volume de ar (LWC).
OAT(SAT) x TAT – OAT/SAT, é a temperatura do ar. TAT é a soma da OAT/SAT mais o calor resultante da energia gerada pelo impacto do ar com a aeronave. A TAT pode variar de acordo com o local no aerofólio, devido à variação de pressão nos vários pontos. Quanto mais alta a pressão dinâmica, mais alta a TAT. Nunca assuma que a temperatura reportada pelo instrumento é válida para qualquer ponto.
SLD – (supercooled large droplets) – quando a gotícula d´água em estado líquido, com uma temperatura negativa (porém ainda líquida) atinge um determinado diâmetro, ela é chamadas de SLD. As aeronaves não são certificadas para voar em áreas com SLD.
Estado da Água - na atmosfera, a água pode existir em 3 estados:
Vapor d´água, líquido e sólido.
Na transição de um estado para outro, libera ou absorve energia (calor).
Condensação (condensation) - é a transição do vapor d´água para o estado líquido. Nesta transição o vapor d´água libera calor.
Evaporação – é a transição do estado líquido para vapor d´água, absorvendo calor.
Congelamento (freezing) – é a transição do estado líquido para sólido, liberando calor.
Sublimação (sublimation) – é quando o vapor d´água faz a transição diretamente para sólido, liberando calor.
Derretimento (melting) – é o contrário do congelamento, absorvendo calor.

II- FORMAÇÃO DE GELO NAS AERONAVES (ICING)
Formação de gelo na aeronave reduz a sustentação, aumenta o arrasto, diminui o ângulo de estol, modifica a distribuição de pressão e complica o controle da aeronave.
Estudos mostram que o arrasto pode aumentar em até 40% ou mais e a sustentação pode ser reduzida em ate 30% ou mais. Mesmo um pequeno acréscimo de gelo acumulado pode aumentar a velocidade de estol em até 15% a 30%. Em uma missão de pesquisa da NASA, a aeronave sofreu 36% de aumento no arrasto como resultado de gelo acumulado nas áreas não protegidas.
1- Certificação – o que significa?
À primeira vista, alguém pode deduzir - “se a aeronave possuir um certificado para voar em condições de gelo ela pode enfrentar qualquer situação relacionada a gelo”.
ERRADO - existem condições ambientais que exigiriam que a aeronave fosse equipada com degelo/antigelo em toda sua estrutura, exigência inviável com a tecnologia atualmente disponível.
Desta maneira, as autoridades aeronáuticas tiveram que definir condições ambientais (MVD, LWC, temperatura, duração da exposição, entre outros), que pudessem ser enfrentadas com os equipamentos degelo/antigelo atuais.
Os critérios visando certificar a aeronave para voar com “icing” estão definidos no FAR 25 (aviões de transporte) e outras legislações similares de outros países. O fabricante deve somente - demonstrar que a aeronave pode, com segurança, penetrar em regiões com as condições meteorológicas e critérios definidos no FAR 25.
2- Como se forma gelo na aeronave?
Nuvem é umidade visível na atmosfera. Esta umidade pode estar na forma de vapor d´água, gotas de água e partículas de gelo/neve. Ela pode se formar por vários processos e, em todos eles, o ar deve ser esfriado até a saturação.
O esfriamento do ar é, normalmente, resultado da ascensão do ar.
As nuvens cúmulos são formadas por uma ascensão mais rápida do ar úmido e, normalmente, contém mais LWC que as nuvens estratos.
Gotas d´água (Droplets) - as gotículas d’água (em estado líquido) se formam em torno de um núcleo, encontrado em abundância na atmosfera. Inicialmente, crescem por condensação. Depois, colidem com as outras e aumentam de diâmetro.
As nuvens estratos formam gotas menores, pois as correntes ascendentes são fracas, em comparação com as nuvens cúmulos, que produzem gotas maiores.
Formação de gotas d´água supercongeladas/SLD
Quando a temperatura da gota d´água atinge 0o C, já existe a possibilidade de formação de partículas de gelo, mas isto não ocorre.
Por quê? Similarmente às gotas d´água, as partículas de gelo necessitam de um núcleo para se formarem (FN – freezing nuclei). Ocorre que o FN é muito raro na atmosfera e, praticamente, não existe com OAT de até -15o C.
Então, devido à quase ausência de FN, as partículas de gelo praticamente inexistem até a temperatura de -15o C. Teoricamente, até a temperatura de -15o C as gotas d´água ficam supercongeladas, mas não se solidificam devido à falta de FN. As gotas com diâmetro maior que 50 microns são chamadas de SLD.
As SLDs são o maior perigo na formação de gelo nas aeronaves. Embora raras a temperaturas muito baixas, as SLDs provavelmente foram as responsáveis pelo congelamento dos pitots do A-330 (voo AF 447), que caiu sobre Atlântico em 2009.
Processo de formação de gelo na aeronave (Icing)
Quando a gota d´água colide com a aeronave, o bordo de ataque da asa pode estar com a temperatura acima de zero, embora a temperatura da gota d´água e da OAT esteja abaixo de zero.
Nota: o bordo de ataque pode estar aquecido devido à pressão aerodinâmica ou por meio de equipamento de aquecimento da aeronave. No entanto, no restante do aerofólio, a temperatura pode estar abaixo de zero.
Pequenas gotas têm pouca inércia e, portanto, a maioria é desviada pelo aerofólio.
Gotas maiores (SLD) têm a habilidade de escorregar para a parte traseira do aerofólio e congelar. Quando são encontradas condições para formação de gelo, as gotas grudam além da área protegida, nas partes superior e inferior da asa. Este gelo, na área não protegida, não será removido pelo equipamento de proteção contra gelo.
Nota: as gotas classificadas como SLD não estão incluídas nos critérios de certificação e, portanto, as aeronaves não estão certificadas para voarem nestas condições.
Partículas de Gelo
Com OAT de -15 até -40o C, o risco de SLD diminui significativamente, pois as gotas d´água se transformam em partículas de gelo. As partículas de gelo são menos perigosas que as SLD, pois elas resvalam na aeronave e raramente grudam na estrutura não protegida. Mas, caso as partículas se transformem em granizo, elas podem danificar a estrutura da aeronave em poucos segundos.
No entanto, não formam gelo na aeronave.
3- Que tipo de gelo se forma na aeronave?
Clear Ice – ocorre onde a OAT é de 0o C a -15º C e com gotas d´água relativamente grandes. As gotas supercongeladas colidem com a aeronave, mas não congelam instantaneamente no impacto. Elas escorregam para a parte da asa não aquecida e congelam sobre/sob as asas. Isto produz uma camada de gelo lisa que pode ser perigosa e de difícil detecção visual, especialmente à noite.
Rime Ice – este tipo de gelo ocorre quando as gotas congelam no impacto. Isto ocorre quando as gotas são pequenas e a OAT está muito baixa (-15º C a -40º C). Neste caso a TAT no bordo de ataque também está baixa e o congelamento ocorre no impacto. Em consequência, o ar fica preso dentro das gotas e produz uma aparência leitosa, mais fácil de ser observada que o “clear ice”. Este tipo de gelo, por se formar mais no bordo de ataque, é normalmente combatido pelo sistema de degelo da aeronave.
O “Rime Ice” tende a ser menos denso e geralmente se ajusta ao “leading edge”. Ele é normalmente considerado menos perigoso que o “clear ice”, mas pode degradar significativamente a performance da aeronave, caso não seja combatido.
Rime + Clear Ice – devido a certas condições ambientais, os 2 tipos de gelo podem estar presentes. Portanto, nunca assuma que só tem um tipo de gelo e que está fora de perigo.
As nuvens e formação de gelo
Nuvens “estratiform” mais tipicamente provocam o “Rime Ice”, enquanto que as nuvens “cumuliform” são mais associadas com o “Clear Ice”.
“Freezing precipitation (drizzle/rain)” normalmente provocam o acúmulo de “clear ice”.
Nas nuvens “cumuliform” a concentração de gotas d´água é maior (LWC) e elas tendem a produzir “ice accretion” mais rapidamente. Cúmulos e CBs devem ser evitados sempre que possível, principalmente onde a OAT for de zero a -15o C. “Ice condition” nestas nuvens pode se estender por vários milhares de pés (verticalmente) e mesmo pouco tempo de exposição pode ser perigoso.
As nuvens “stratiform”, embora menos ameaçadoras, também devem ser respeitadas. O tamanho das gotas d´água produzidas nos estratos é, normalmente, menor, quando relacionadas às nuvens cúmulos. São verticalmente bem menores, mas podem se estender por centenas de KM horizontalmente. Neste caso, a melhor opção é voar por cima delas.
Independentemente do tipo de nuvem, a possibilidade de formação de gelo é de 40% quando a temperatura for de 0o C a -15º C e de 14% quando a temperatura for abaixo de -20º C. Formação de gelo na aeronave pode existir OAT de até -40º C.
Abaixo de -40o C, ICING é muito pouco provável.
Sumário
- Clear – de 0o C a -10º C e gotas maiores;
- Rime – de -15º C a -40º C e gotas menores;
- Mixed – de -10º C a – 15º C.
4- Onde mora o PERIGO?
“Whenever you encouter icing conditions, you should always start working to get out”.
Enfatizando - não foram definidos requisitos de certificação que exijam que a aeronave prove que pode voar em condições de formação de gelo decorrentes de SLD, “freezing drizzle” e nem com “freezing rain”.
As condições ambientais encontradas nos Freezing Rain/Drizzle excedem, em muito, os critérios de certificação (envelope) e não devem ser penetradas.
Estes fenômenos podem provocar formação de gelo nas áreas não protegidas da aeronave, degradar a aerodinâmica da aeronave e aumentar o arrasto além dos limites considerados seguros.
5- Como a aeronave certificada é protegida?
Os sistemas de proteção contra gelo das aeronaves são desenhados para atender aos requisitos do FAR 25. Um exame mais detalhado nas asas das aeronaves certificadas para voo em condição de gelo revela que, na maior parte delas, somente o “leading edge” é protegido. Isto é baseado no fato de que os fabricantes puderam provar que, de acordo com os critérios definidos no FAR 25, a aeronave pode voar, sem colocar o voo em risco, apenas usando seu sistema de degelo nos “leading edge”.
Por outro lado, não significa que a aeronave possa voar em qualquer condição ambiental.  
Aeronaves com BOOTS - estudos aprofundados da NASA mostraram que, nas aeronaves mais modernas, os “boots” devem ser ligados logo que a formação de gelo se inicia. Esta técnica contraria um pouco a técnica antiga de deixar formar ¼ a ½ polegada de gelo no bordo de ataque para depois ligar os “boots”.
Nota: siga sempre as recomendações do fabricante.
6- Como posso me prevenir?
Analise as informações meteorológicas disponíveis (ADDS, PIREPS, METAR, TAF, etc.) para:
- saber a extensão, a base e o topo das nuvens;
- conhecer a localização da parte frontal da Frente, área de precipitação;
- conhecer o “freezing level”.
Notas:
- NÃO voe em regiões com probabilidade de “freezing drizzle ou freezing rain”;
- NÃO voe em regiões com probabilidade de SLD e com alta LWC.
a- Como sei que existe gelo na aeronave?
Além dos avisos eletrônicos, esteja alerta para outros indicadores. Observe o comportamento da aeronave, principalmente perda de performance e modificação nas respostas dos controles da aeronave.
Mais sinais indicadores:
- Temperatura entre 0 e -15º C;
- Forte eco no RADAR (indicando muita água);
- “Clear ice” observado visualmente nas áreas não protegidas.
Lembre-se - as aeronaves não são certificadas para voar com SLD. Se suspeitar de SLD - “dê o fora imediatamente”.
b- Como devo lidar com a formação de gelo na aeronave?
Mesmo se a formação de gelo for mínima, você deve continuar monitorando as condições meteorológicas e tomar uma ação. Você pode descer abaixo do nível de congelamento ou subir acima das nuvens.
Não demore a tomar uma decisão, não espere acumular gelo.
Em 90% das vezes, uma modificação na altitude, em 3000 pés, resolve o problema (sai das condições de formação de gelo).
Retornar ou prosseguir para a alternativa é também opção.
Não vacile em declarar emergência, case julgue necessário.

III- TEMPESTADES
WARNING: ENTRAR EM TEMPESTADE NÃO É SAUDÁVEL
Também conhecida por outros nomes (CB, Mau tempo, Squall Line (linha de CB), etc.), uma tempestade fornece todos os perigos meteorológicos da Aviação em um pacote único.
Exceto “icing” (já abordado), vamos listar didaticamente os principais fenômenos provocados por uma tempestade. Embora eles ocorram em várias combinações, vamos didaticamente examiná-los separadamente.
1- Turbulência
Turbulência é um dos fenômenos que mais assustam os passageiros. Eles podem observar as asas balançando e alguns entram em pânico.
Turbulência, provocada por correntes ascendentes e descendentes, está presente em todas as tempestades e pode danificar a estrutura da aeronave.
Relâmpago é um evidente indicativo de turbulência.
Alguns modelos de RADAR se propõem a indicar turbulência (TURB). Esta função é baseada no efeito Doppler, que necessita do movimento das gotas de água para poder indicar. Além disso, seu alcance é limitado à capacidade de medida do Doppler (40 NM).
O Doppler não detecta CAT (clear air turbulence).
2- Hail
Granizo compete com a turbulência como o maior risco para a estrutura da aeronave. Com temperaturas abaixo de -15º C, as gotas de água supercongeladas encontram as condições para se transformarem em partículas de gelo. As gotas se juntam e a pedra de gelo cresce e podem se transformar em granizo. Granizo maior que ½ polegada de diâmetro pode danificar a aeronave significativamente, em poucos segundos.
Onde o granizo pode ser encontrado:
Em tempestades severas, embora possa existir em qualquer tempestade;
Em grandes altitudes (secos e de difícil identificação pelo RADAR);
Em níveis mais baixos (FL 100 ou abaixo), parcialmente derretidos;
Em baixo da bigorna do CB; e
Em céu claro, a algumas milhas da tempestade mãe.
Notas:
- À medida que o granizo cai a níveis mais baixos e quentes, eles derretem. Portanto, chuva na superfície não significa que não tem granizo em altitude.
- Em níveis com temperatura muito abaixo da temperatura de congelamento (em um CB) o granizo é seco e dificilmente é “visto” pelo RADAR Meteorológico. Nestas regiões use o “tilt” para apontar a antena para os níveis mais baixos, onde água pode ser encontrada.
- Em níveis com temperatura mais alta, o granizo derrete parcialmente e provoca um bom ECO no RADAR meteorológico.
3- Lightning Strike
Embora raramente provoque grandes danos na aeronave, ser acertado por um raio pode ser assustador, pode perfurar a “pele” da aeronave, prejudicar as comunicações e danificar os equipamentos eletrônicos.
No entanto, acidente sério devido a “lightning strike” é muito raro.
A crescente aplicação de material composto nas aeronaves comerciais tem, significantemente, aumentado o risco de danos devido a “ligntning strike”. Pesquisadores estão investigando os danos causados em aeronaves com material composto, para auxiliar na mitigação deste problema. A solução tem sido utilizar condutores de metal na camada externa do material composto.
Sem a proteção apropriada, os compostos com fibra de carbono podem ser muito danificados no ponto de entrada dos raios.  
Parâmetros para avaliação e decisão dos pilotos
- Quanto maior a frequência do raio, mais severa é a tempestade;
- Frequência aumentando, significa tempestade crescendo. O oposto indica que a tempestade está dissipando;
- Durante a noite, flashes ao longo de uma grande parte do horizonte sugere uma “squall line”;
- A maioria (cerca de 80%) dos “lightning  strikes” reportados ocorrem dentro de nuvens, durante a fase de subida ou descida, entre 5000 e 15000 pés.
4-Fogo de Saint Elmo
Este fenômeno, embora de aparência sinistra, é inofensivo. 
Quando a aeronave atravessa as nuvens, precipitação ou a concentração de partículas sólidas (gelo, areia, poeira, etc.), ela acumula uma carga de eletricidade estática. Esta eletricidade é descarregada no ar, em vários pontos da aeronave, e pode ser vista à noite.
5- Tornado
Mais comum nos EUA, é um fenômeno violento. É formado por uma pressão muito baixa no interior da nuvem que, com muita força, suga o ar inferior para dentro da nuvem. Forma um vórtice extremamente concentrado, desde a superfície até as nuvens. Os ventos podem atingir 200 Kts e a baixa pressão suga poeira e objetos.
Se a nuvem não tocar o solo ela é chamada de nuvem funil, se tocar o solo é um tornado, se tocar a água é uma tromba d´água.
Tornados podem ocorrer com tempestades isoladas, mas muito mais frequentemente eles são formados com tempestades estacionárias associadas com Frente Fria ou “Squall Line”.
Caso uma aeronave entre em um vórtice de tornado, certamente irá sofrer dano estrutural. O maior problema para os aviadores é que vórtice se estende para dentro das nuvens e o piloto pode ser apanhado por um vórtice quando voando instrumento.
6- RADAR Meteorológico
“Quanto mais água em estado líquido, maior o eco de retorno”
O RADAR meteorológico necessita de água em estado líquido para refletir um bom ECO. Partículas de água fornecem um retorno cinco vezes mais forte que cristais de gelo.
O piloto pode ser enganado pela intensidade do eco de retorno - em grandes altitudes o ar é seco e a antena deve ficar voltada para baixo, onde existe mais umidade.
O RADAR detecta:
Chuva, chuvisco;
Granizo derretendo;
Obs. Cristais de gelo, granizo seco, neve seca são detectados com limitações (eco fraco).
O RADAR não detecta:
Nuvens com pouca umidade, nevoeiros, vento, windshear, tempestade de areia, turbulência (CAT) e relâmpagos.
7- Recomendações
- Não entre em tempestades;
- Nunca considere uma tempestade com “leve”, mesmo se o eco do radar for fraco;
- Não decole ou pouse quando uma tempestade estiver aproximando do aeroporto. Uma súbita mudança de vento ou turbulência de baixo nível pode causar perda de controle da aeronave;
- Não tente voar sob a tempestade, mesmo que você possa ver o outro lado. Turbulência sob a tempestade pode ser desastrosa;
- Ao contornar uma tempestade, mantenha umas boas 20 NM de separação;
- Se for passar por cima, 5000 pés acima do topo das nuvens é uma boa referência;
- Lembre-se - relâmpagos indicam tempestade severa;
- Considere como severa qualquer tempestade cujo topo seja 35.000 pés ou mais.

IV- CONCLUSÃO:
As informações deste POST objetivam ampliar os conhecimentos e melhorar o entendimento dos pilotos.
Elas são genéricas e, em caso de conflito, o Manual do fabricante deve prevalecer.
Meteorologia não é uma ciência exata e é impossível cobrir todas as situações e cenários - lidamos com probabilidade, com incertezas e com interpretações subjetivas.   



Happy Landings.