domingo, 3 de julho de 2016

ENTENDA O SOP E O NORMAL CHECK-LIST DOS E-JETS - E-1

“Those who don’t hear the music…Think the dancers are mad”
Autor desconhecido
I- INTRODUÇÃO
Em uma experiência com voluntários, os expectadores que assistiam a um jogo de basquete foram orientados para contar quantos passes eram efetuados pelos times. Metade da assistência foi orientada para contar os passes do time de uniforme branco e a outra metade do time de uniforme preto.
Durante o jogo, um homem vestido de gorila cruzou a quadra, parou no meio, bateu no peito e foi embora.
Quando interrogados se perceberam o “gorila”, metade da assistência respondeu que não, notadamente aqueles que estavam contando as jogadas efetuadas pelo time de uniforme branco.
A mágica também nos fornece uma interessante observação sobre a atenção dos humanos. O mágico, basicamente, distrai a atenção do público enquanto o engana efetuando ações que, aos olhos do público, não ocorreram.
Estes exemplos reforçam as conclusões dos cientistas sobre a atenção dos humanos. O cérebro humano foca no ponto que exige mais atenção, ou que a pessoa decidiu dar mais atenção, e diminui a atenção para os outros acontecimentos.
Na verdade, não conseguimos ficar totalmente atentos a mais de uma coisa, ao mesmo tempo. Quando aumentamos a atenção em uma coisa, diminuímos na outra.
É como se, ao aumentar o “volume” para uma situação, o “volume” das outras diminuísse, automaticamente.
E o que é que a Aviação tem a ver com isso?
Em situações que exigem muita atenção, involuntariamente ou não, somos levados a focar em apenas um ponto. Isto normalmente acontece quando estamos resolvendo situações que exigem muito “workload”.
II- PROCEDIMENTOS PADRONIZADOS
Estabelecer procedimentos padronizados passou a ser uma grande preocupação da área de “human factors” a partir de 1969, após a ocorrência de alguns acidentes relacionados com a configuração imprópria de aeronaves a jato para a decolagem:
- Em 1969, um B-707 da PANAM caiu após ter efetuado uma decolagem sem Flaps;
- Em 1988, um MD-80 da North-West caiu após decolar de Detroid. Também não configurou corretamente os Flaps/Slats;
- No ano seguinte, foi a vez de um B-727 da Delta - mesmo problema;
- Em 1990, o voo 5050 da US Airways (B-737) varou a pista de La Guardia, NY, após tentar decolar com o “pitch trim” ajustado incorretamente.
Após terem sido estabelecidas novas defesas para evitar acidentes relacionados aos procedimentos, uma nova ameaça surgiu, desta vez identificada pela NASA:
De acordo com estatísticas da NASA, o desvio do SOP é o principal fator contribuinte em 33% dos acidentes causados por falha dos tripulantes (fator operacional).
À primeira vista, pode parecer um problema puramente disciplinar. No entanto, o desenvolvimento inadequado de procedimentos pode ter uma grande contribuição quanto aos desvios.
O objetivo deste POST é orientar o desenvolvimento de procedimentos padrões e de CL, com a finalidade de minimizar os desvios, quer sejam involuntários ou propositais.
1- Desvios do SOP ou do CL
- Quais as causas que levam o piloto a desviar do SOP/CL?
- Como podemos evitar/minimizar estas causas?
Entre outros motivos, os pilotos desviam do SOP/CL quando:
·        Ambiguidade - se o SOP não for bem escrito, ele pode ter várias interpretações e isto certamente causará desvios;
·        Redução de “workload” - a tarefa é difícil e o piloto conhece uma maneira mais simples, fácil e segura para efetuá-la;
·        Individualidade - o piloto é experiente e tem certeza que sua técnica é melhor e mais segura.
Como mitigar os desvios?
- Ambiguidade - a explicação sobre os procedimentos não pode deixar margem para dupla interpretação. Neste aspecto, o “feedback” é uma importante ferramenta para identificar os procedimentos dúbios. A tarefa de Operações é prestigiar e incentivar o “feedback” dos usuários.
- “Workload” – o setor de Operações deve estar atento a procedimentos que provoquem alto “workload”, principalmente nas fases críticas do voo (decolagem, aproximação e pouso). Eles devem ser identificados e reduzidos, ou movidos para outra fase com menor “workload”.
- Individualidade - Os procedimentos, em princípio, não devem conter técnicas. Isto dará oportunidade aos pilotos de expressarem sua individualidade e experiência. Somente as técnicas realmente necessárias devem constar do SOP, sempre bem fundamentadas.
III – DESENVOLVIMENTO DE PROCEDIMENTOS PADRONIZADOS
“Se não for necessário mudar, então é necessário NÃO mudar.”
Autor desconhecido.
Principalmente no Brasil, quase todo comandante de Linha Aérea se acha PHD em “human factors”. Basta ser colocado em uma função administrativa no setor de Operações para ser “iluminado” como um profundo conhecedor do assunto.
Desenvolver procedimentos é uma ciência complexa, que exige conhecimentos teóricos adequados, além da prática.
1- Desenvolvimento do SOP e do Normal CL dos E-Jets
“Qualquer semelhança é mera coincidência”
Para ilustrar o assunto, vamos imaginar uma reunião de instrutores, todos com experiência em Empresas de Linha Aérea, cuja agenda da reunião é a elaboração do SOP e do normal CL dos E-Jets.
Primeiro dia - alguns trechos dos debates:
- “Eu penso que o CL deve conter todos os itens a serem verificados, por maior que possa ser”, falou um dos instrutores;
- “Na Empresa onde eu trabalhava, tinha CL a 10.000 pés, na subida e na descida”, apoiou o outro;
- “Na Empresa onde eu voava um piloto decolou sem ajustar o cinto de segurança... penso que isto deveria constar do CL”, disse outro instrutor com sarcasmo;
- “Gente, alguns procedimentos são “airmanship”, o piloto tem que saber e não há necessidade de CL. Faz parte da sua profissão”, argumentou o quarto. “Não há necessidade de colocar, no “Before takeoff”, um item para verificar se os motores foram acionados”, reforçou.
A reunião continuou acalorada.
FALOU O CHEFE:
- “Gente, não vamos chegar a nenhuma conclusão. O fato é que não sabemos fazer essa p____!!! Necessitamos ajuda”.
O único resultado do primeiro dia de reunião foi o entendimento da necessidade de se definir um guia para o desenvolvimento dos procedimentos e do CL. Esse guia deveria estipular critérios e parâmetros.
Segunda semana: após muito estudo, discussões e pesquisa, chegou-se à conclusão da necessidade de se criar uma filosofia balizadora do trabalho, bem como definir critérios, parâmetros e conceitos.
a – Filosofia para o Desenvolvimento do SOP e CL:
Os procedimentos devem:
- Priorizar a segurança sobre a economia;
- Reduzir o “workload” da tripulação;
- Ser adequados à tecnologia da aeronave;
- Ser adequados ao cenário operacional (Regional, Nacional, Cargo, etc.);
- Coordenar as ações que envolvam a equipe de solo;
- Coordenar as ações que envolvam a equipe de comissários;
- Atender aos regulamentos da Aviação Civil;
- Mitigar riscos para a aeronave e/ou seus sistemas, para qualquer pessoa e para o meio ambiente;
- Assegurar que a aeronave esteja preparada para uma determinada fase do voo, de uma maneira padronizada e dentro de um período adequado;
- Definir as tarefas de cada tripulante.
b- Tipos de Normal CL:
Do and Verify – para as rotinas normais e diárias;
Read and Do - para a execução de procedimentos não rotineiros;
Silence CL – procedimentos que não necessitam da redundância do outro piloto.
Nota – algumas rotinas podem não necessitam da leitura do CL. Identificar essas rotinas pode reduzir muito o “workload”. Normalmente essas rotinas são muito obvias e sem consequências, caso algum item seja esquecido.
Exemplos:
- Ligar os faróis antes da decolagem;
- Procedimentos após o pouso (flap, luzes, ajuste do “trim”).
c- Conteúdo do Normal CL:
Considerando que muitos itens podem “mascarar” os itens importantes, aumentar o “workload” e mecanizar a operação, o Normal CL deve conter o mínimo de itens possível, obedecendo a filosofia estabelecida.
Especial atenção deve ser dada aos os itens críticos (potenciais provocadores de acidentes). Para estes, embora possam ser verificados pelo sistema de alarme do avião, é necessária redundância.
Ex. Ajuste dos flaps para decolagem ou pouso.
d - Call Outs:
A política definida para balizar os “call outs” deve ter relação com os alertas e evidências proporcionados pelo sistema de alerta da aeronave.
(1)- Conceitos básicos:
“Call out” é um alerta padrão que um piloto faz para comunicar-se com o outro piloto.
Para que serve o “call out”?
O “call out” é importante, pois ajuda a manter o alerta da tripulação.
O “call out” tem custo?
Muitos pensam que o “call out” não tem “custo”. Na realidade os “call outs” devem ser escolhidos com critério, pois eles reduzem a atenção aumentam o “workload”.
Tipos de “Call out”:
. Por exceção: aquele que o piloto só anuncia quando algo está errado.
Ex. Partida do motor dos E-Jets.
. Sing Song: aquele que o piloto anuncia tudo, o tempo todo.
Quando usar um ou outro?
É aí que entra o trabalho do Flight Standard, avaliar cada “call out” e ver se ele é realmente necessário, bem como definir o tipo (exceção ou sing song).
(2)- Fatores a considerar na definição dos “call outs”:
- Principalmente durante as fases críticas do voo (decolagem, aproximação e pouso), os “call outs” devem ser simples, lógicos, fácil de memorizar e de treinar e sem ambiguidade;
- Se a tarefa for longa, previsível e estável, o tipo “sing song” pode não ser adequado, pois sobrecarrega o piloto;
- O tipo “sing song” é bom quando a tarefa é muito dinâmica e instável, ou que requeira alto nível de monitoramento. Entretanto, eles devem ser concebidos com economia;
- Se o sistema for previsível e temporal, o tipo “por exceção” pode ser o melhor;
- Se a tarefa ocorrer em frente aos pilotos e for evidente, o tipo “por exceção” deve ser considerado.
- Tecnologia da aeronave – o “call out” deve estar de acordo com a tecnologia:
. Quanto menos “situation awareness” a aeronave fornecer, mais “call outs” são necessários. Ex. Quando a aeronave fornece poucas evidências de que os motores aceleraram, há necessidade de mais “call outs” se comparado com outra aeronave onde as evidências são maiores;
. Alertas do avião – caso a aeronave possua um sistema de aviso que proporcione um alerta de situação preciso e seguro, o “call out” relativo a este aviso deve analisado quanto a sua validade. Ex. Se a aeronave informa quando faltam 1000 pés para o nível/altitude selecionado, o “call out” do piloto talvez possa ser mais simples ou inexistente. É mais importante é acompanhar o nivelamento.
- Exceedance na operação – a tendência do pessoal de Operações é achar que os problemas de “exceedance” podem ser resolvidos com “call outs”. A raiz do problema deve ser bem definida, pois pode ser um problema de treinamento ou outro fator.
- Padronização com outro tipo de aeronave – existe uma tendência para a padronização das operações (na boa intenção de facilitar a transição entre os equipamentos), sem considerar a diferença de automação. A diferença de concepção da aeronave deve ser considerada e balizar os “call outs”.
- Airmanship – muitas tarefas são naturais e lógicas. Elas são consideradas inerentes ao aviador e, portanto, não há necessidade de um “call out”. Estas tarefas, caso o esquecimento possa ser evidente e o seu esquecimento não seja “danoso”, não necessitam de “call out”.
(3)- Questionário a ser efetuado ao criar/cancelar um “call out”:
- O “call out” é realmente necessário?
- O “call out” pode ser mais simples?
- O que pode ocorrer se o “call out” não for efetuado?
- O sistema de avisos da aeronave é suficiente ou há necessidade de redundância?
- Que tipo de “call out” deve ser aplicado? “Sing song” ou “por exceção”?
IV- CL dos E-JETS
O CL dos E-Jets foi desenvolvido de acordo a filosofia e critérios abordados neste POST e visa reduzir o “workload” da tripulação (sem afetar a segurança). Ele foi reduzido ao máximo, mas não há impedimento se o operador acrescentar itens para adequá-lo aos diferentes cenários da operação.
BEFORE START

CHALLENGE                                                RESPONSE                                 ANSWERED BY
Pax signs panel .................SET ..................................LSP
PRESSURIZATION Panel..SET ..................................LSP
Oxygen masks...................CKD……….........................LSP/RSP
Flight instruments ..............X-CKD................................LSP
Thrust levers......................IDLE....................................LSP
------------------------------------------------------------------------------------------------
Fuel QTY ...........................CKD .........................LSP/RSP
MCDU................................SET ..................................LSP
TRIM Panel........................___ SET/ZERO/ZERO.....LSP
Doors & windows...............CLSD........................LSP/RSP
Red beacon .......................ON....................................LSP
Emergency/Parking brake .AS RQRD.........................LSP
AFTER STARTFTER START
CHALLENGE                                                    RESPONSE                                                ANSWERED BY
Ground equipment.............REMOVED.......................LSP
SLAT/FLAP........................___ SET...........................LSP
Flight controls ....................CKD .................................LSP
BEFORE TOBEFORE TAKEOFF
CHALLENGE                                                    RESPONSE                                                  ANSWERED BY
Brakes temp ......................CKD ............................... ..LSP
EICAS................................CKD ............................... ..LSP
Transponder ......................TA/RA ..............................LSP
Takeoff configuration.........CKD ............................... ..LSP
AFTER TOAFTER TAKEOFF
CHALLENGE                                                    RESPONSE                                                   ANSWERED BY
Landing gear......................UP..................................... PM
SLAT/FLAP........................0 ....................................PM
APPROACH
CHALLENGE                                                   RESPONSE                                                  ANSWERED BY
Pax signs panel .................SET.................................. PM
Altimeters...........................SET/X-CKD...................... PF/PM
BEFORE LANDINGEFORE LANDING
CHALLENGE                                                     RESPONSE                                                ANSWERED BY
Landing gear ......................DOWN............................. PF/PM
SLAT/FLAP........................___ SET …....................... PF/PM
SHUTDOWNSHUTDOWN
CHALLENGE                                                   RESPONSE                                                  ANSWERED BY
Emergency/Parking brake .SET .................................LSP
START/STOP selectors.....STOP ...............................LSP
Hyd pump 3A.....................OFF ..................................LSP
LEAVING THE AIRPLANELEAVING THE AIRPLANE
CHALLENGE                                                    RESPONSE                                                   ANSWERED BY
Pax signs panel .................OFF ..................................LSP
GPU/APU...........................OFF ..................................LSP
Batteries 1 and 2................OFF ...............................LSP
V- CONCLUSÃO
“Se o procedimento for mal desenvolvido, mesmo os pilotos responsáveis desviam”. NASA
Procedimentos e CL não substituem o piloto inteligente. Eles devem ser concebidos para representar uma linha base de padronização e devem evitar reduzir o voo a um ritual quase sem cérebro.
Antes de desenvolver o SOP e o CL, a Empresa deve estabelecer uma filosofia e política operacionais. Esta ação é fundamental, pois elas guiarão todas as ações da Empresa: treinamento, manutenção, marketing, etc.


Veja o artigo “ON DESEGN OF FLIGHT DECK PROCEDURES” para mais detalhes sobre a elaboração de SOP.


Happy landings



Nenhum comentário:

Postar um comentário