“Those who don’t hear the music…Think the
dancers are mad”
Autor
desconhecido
I- INTRODUÇÃO
Em uma
experiência com voluntários, os expectadores que assistiam a um jogo de
basquete foram orientados para contar quantos passes eram efetuados pelos
times. Metade da assistência foi orientada para contar os passes do time de
uniforme branco e a outra metade do time de uniforme preto.
Durante o jogo, um homem
vestido de gorila cruzou a quadra, parou no meio, bateu no peito e foi embora.
Quando interrogados se
perceberam o “gorila”, metade da assistência respondeu que não, notadamente
aqueles que estavam contando as jogadas efetuadas pelo time de uniforme branco.
A mágica também nos
fornece uma interessante observação sobre a atenção dos humanos. O mágico,
basicamente, distrai a atenção do público enquanto o engana efetuando ações
que, aos olhos do público, não ocorreram.
Estes exemplos reforçam
as conclusões dos cientistas sobre a atenção dos humanos. O cérebro humano foca
no ponto que exige mais atenção, ou que a pessoa decidiu dar mais atenção, e
diminui a atenção para os outros acontecimentos.
Na verdade, não
conseguimos ficar totalmente atentos a mais de uma coisa, ao mesmo tempo.
Quando aumentamos a atenção em uma coisa, diminuímos na outra.
É como
se, ao aumentar o “volume” para uma situação, o “volume” das outras diminuísse,
automaticamente.
E o que é que a Aviação
tem a ver com isso?
Em
situações que exigem muita atenção, involuntariamente ou não, somos levados a
focar em apenas um ponto. Isto normalmente acontece quando estamos resolvendo situações
que exigem muito “workload”.
II-
PROCEDIMENTOS PADRONIZADOS
Estabelecer
procedimentos padronizados passou a ser uma grande preocupação da área de
“human factors” a partir de 1969, após a ocorrência de alguns acidentes
relacionados com a configuração imprópria de aeronaves a jato para a decolagem:
- Em
1969, um B-707 da PANAM caiu após ter efetuado uma decolagem sem Flaps;
- Em
1988, um MD-80 da North-West caiu após decolar de Detroid. Também não
configurou corretamente os Flaps/Slats;
- No ano
seguinte, foi a vez de um B-727 da Delta - mesmo problema;
- Em
1990, o voo 5050 da US Airways (B-737) varou a pista de La Guardia, NY, após
tentar decolar com o “pitch trim” ajustado incorretamente.
Após
terem sido estabelecidas novas defesas para evitar acidentes relacionados aos
procedimentos, uma nova ameaça surgiu, desta vez identificada pela NASA:
De acordo com estatísticas
da NASA, o desvio do SOP é o principal fator contribuinte em 33% dos acidentes
causados por falha dos tripulantes (fator operacional).
À
primeira vista, pode parecer um problema puramente disciplinar. No entanto, o
desenvolvimento inadequado de procedimentos pode ter uma grande contribuição
quanto aos desvios.
O
objetivo deste POST é orientar o desenvolvimento de procedimentos padrões e de
CL, com a finalidade de minimizar os desvios, quer sejam involuntários ou
propositais.
1-
Desvios do SOP ou do CL
-
Quais as causas que levam o piloto a desviar do SOP/CL?
-
Como podemos evitar/minimizar estas causas?
Entre outros motivos, os
pilotos desviam do SOP/CL quando:
·
Ambiguidade - se o SOP não for bem escrito,
ele pode ter várias interpretações e isto certamente causará desvios;
·
Redução de “workload” - a tarefa é difícil e
o piloto conhece uma maneira mais simples, fácil e segura para efetuá-la;
·
Individualidade - o piloto é experiente e tem
certeza que sua técnica é melhor e mais segura.
Como
mitigar os desvios?
-
Ambiguidade - a explicação sobre os procedimentos não pode deixar margem para
dupla interpretação. Neste aspecto, o “feedback” é uma importante ferramenta
para identificar os procedimentos dúbios. A tarefa de Operações é prestigiar e
incentivar o “feedback” dos usuários.
- “Workload”
– o setor de Operações deve estar atento a procedimentos que provoquem alto
“workload”, principalmente nas fases críticas do voo (decolagem, aproximação e
pouso). Eles devem ser identificados e reduzidos, ou movidos para outra fase
com menor “workload”.
-
Individualidade - Os procedimentos, em princípio, não devem conter técnicas.
Isto dará oportunidade aos pilotos de expressarem sua individualidade e
experiência. Somente as técnicas realmente necessárias devem constar do SOP,
sempre bem fundamentadas.
III – DESENVOLVIMENTO DE
PROCEDIMENTOS PADRONIZADOS
“Se não for necessário mudar, então é
necessário NÃO mudar.”
Autor desconhecido.
Principalmente no Brasil, quase todo
comandante de Linha Aérea se acha PHD em “human factors”. Basta ser colocado em
uma função administrativa no setor de Operações para ser “iluminado” como um
profundo conhecedor do assunto.
Desenvolver procedimentos é uma
ciência complexa, que exige conhecimentos teóricos adequados, além da prática.
1- Desenvolvimento do SOP e do Normal CL dos E-Jets
“Qualquer semelhança é
mera coincidência”
Para ilustrar o assunto, vamos imaginar uma reunião de
instrutores, todos com experiência em Empresas de Linha Aérea, cuja agenda da
reunião é a elaboração do SOP e do normal CL dos E-Jets.
Primeiro dia - alguns trechos dos debates:
- “Eu penso que o CL deve
conter todos os itens a serem verificados, por maior que possa ser”, falou
um dos instrutores;
- “Na Empresa onde eu
trabalhava, tinha CL a 10.000 pés, na subida e na descida”, apoiou o outro;
- “Na Empresa onde eu voava
um piloto decolou sem ajustar o cinto de segurança... penso que isto deveria
constar do CL”, disse outro instrutor com sarcasmo;
- “Gente, alguns procedimentos
são “airmanship”, o piloto tem que saber e não há necessidade de CL. Faz parte
da sua profissão”, argumentou o quarto. “Não
há necessidade de colocar, no “Before takeoff”, um item para verificar se os
motores foram acionados”, reforçou.
A
reunião continuou acalorada.
FALOU O CHEFE:
- “Gente, não
vamos chegar a nenhuma conclusão. O fato é que não sabemos fazer essa p____!!!
Necessitamos ajuda”.
O único resultado do primeiro dia de
reunião foi o entendimento da necessidade de se definir um guia para o
desenvolvimento dos procedimentos e do CL. Esse guia deveria estipular
critérios e parâmetros.
Segunda semana: após muito estudo, discussões e
pesquisa, chegou-se à conclusão da necessidade de se criar uma filosofia
balizadora do trabalho, bem como definir critérios, parâmetros e conceitos.
a – Filosofia para o Desenvolvimento do SOP e CL:
Os procedimentos
devem:
- Priorizar a segurança sobre a economia;
- Reduzir o “workload” da tripulação;
- Ser adequados à tecnologia da aeronave;
- Ser adequados ao cenário operacional (Regional, Nacional, Cargo,
etc.);
- Coordenar as ações que envolvam a equipe de solo;
- Coordenar as ações que envolvam a equipe de comissários;
- Atender aos regulamentos da Aviação Civil;
- Mitigar riscos para a aeronave e/ou seus sistemas, para
qualquer pessoa e para o meio ambiente;
- Assegurar que a aeronave esteja preparada para uma determinada
fase do voo, de uma maneira padronizada e dentro de um período adequado;
- Definir as tarefas de cada tripulante.
b- Tipos de Normal CL:
Do and Verify – para as rotinas normais e diárias;
Read and Do - para a execução de procedimentos não rotineiros;
Silence CL – procedimentos que não necessitam da
redundância do outro piloto.
Nota – algumas rotinas podem não necessitam da leitura do CL.
Identificar essas rotinas pode reduzir muito o “workload”. Normalmente essas
rotinas são muito obvias e sem consequências, caso algum item seja esquecido.
Exemplos:
- Ligar os
faróis antes da decolagem;
- Procedimentos
após o pouso (flap, luzes, ajuste do “trim”).
c- Conteúdo do Normal CL:
Considerando que muitos itens podem “mascarar”
os itens importantes, aumentar o “workload” e mecanizar a operação, o Normal CL
deve conter o mínimo de itens possível, obedecendo a filosofia estabelecida.
Especial atenção deve ser dada aos os itens críticos (potenciais
provocadores de acidentes). Para estes, embora possam ser verificados pelo
sistema de alarme do avião, é necessária redundância.
Ex. Ajuste dos
flaps para decolagem ou pouso.
d - Call
Outs:
A
política definida para balizar os “call outs” deve ter relação com os alertas e
evidências proporcionados pelo sistema de alerta da aeronave.
(1)-
Conceitos básicos:
“Call
out” é um alerta padrão que um piloto faz para comunicar-se com o outro piloto.
Para
que serve o “call out”?
O
“call out” é importante, pois ajuda a manter o alerta da tripulação.
O
“call out” tem custo?
Muitos
pensam que o “call out” não tem “custo”. Na realidade os “call outs” devem ser
escolhidos com critério, pois eles reduzem a atenção aumentam o “workload”.
Tipos
de “Call out”:
. Por
exceção: aquele que o piloto só anuncia quando algo está errado.
Ex. Partida do motor dos
E-Jets.
. Sing
Song: aquele que o piloto anuncia tudo, o tempo todo.
Quando
usar um ou outro?
É aí que entra o trabalho do
Flight Standard, avaliar cada “call out” e ver se ele é realmente necessário,
bem como definir o tipo (exceção ou sing song).
(2)-
Fatores a considerar na definição dos “call outs”:
- Principalmente
durante as fases críticas do voo (decolagem, aproximação e pouso), os “call
outs” devem ser simples, lógicos, fácil de memorizar e de treinar e sem
ambiguidade;
-
Se a tarefa for longa, previsível e estável, o tipo “sing song” pode não
ser adequado, pois sobrecarrega o piloto;
-
O tipo “sing song” é bom quando a tarefa é muito dinâmica e instável, ou que
requeira alto nível de monitoramento. Entretanto, eles devem ser concebidos com
economia;
-
Se o sistema for previsível e temporal, o tipo “por exceção” pode ser o melhor;
-
Se a tarefa ocorrer em frente aos pilotos e for evidente, o tipo “por exceção”
deve ser considerado.
- Tecnologia
da aeronave – o “call out” deve estar de acordo com a tecnologia:
. Quanto menos “situation awareness” a
aeronave fornecer, mais “call outs” são necessários. Ex. Quando a aeronave fornece poucas evidências de que os motores
aceleraram, há necessidade de mais “call outs” se comparado com outra aeronave onde
as evidências são maiores;
. Alertas do avião – caso a aeronave possua
um sistema de aviso que proporcione um alerta de situação preciso e seguro, o
“call out” relativo a este aviso deve analisado quanto a sua validade. Ex. Se a aeronave informa quando faltam 1000
pés para o nível/altitude selecionado, o “call out” do piloto talvez possa ser
mais simples ou inexistente. É mais importante é acompanhar o nivelamento.
-
Exceedance na operação – a tendência do pessoal de Operações é achar que os
problemas de “exceedance” podem ser resolvidos com “call outs”. A raiz do
problema deve ser bem definida, pois pode ser um problema de treinamento ou
outro fator.
- Padronização
com outro tipo de aeronave – existe uma tendência para a padronização das
operações (na boa intenção de facilitar a transição entre os equipamentos), sem
considerar a diferença de automação. A diferença de concepção da aeronave deve
ser considerada e balizar os “call outs”.
-
Airmanship – muitas tarefas são naturais e lógicas. Elas são consideradas
inerentes ao aviador e, portanto, não há necessidade de um “call out”. Estas
tarefas, caso o esquecimento possa ser evidente e o seu esquecimento não seja “danoso”,
não necessitam de “call out”.
(3)-
Questionário a ser efetuado ao criar/cancelar um “call out”:
-
O “call out” é realmente necessário?
-
O “call out” pode ser mais simples?
-
O que pode ocorrer se o “call out” não for efetuado?
-
O sistema de avisos da aeronave é suficiente ou há necessidade de redundância?
-
Que tipo de “call out” deve ser aplicado? “Sing song” ou “por exceção”?
IV-
CL dos E-JETS
O CL dos E-Jets foi desenvolvido de acordo a filosofia e critérios
abordados neste POST e visa reduzir o “workload” da tripulação (sem afetar a
segurança). Ele foi reduzido ao máximo, mas não há impedimento se o operador
acrescentar itens para adequá-lo aos diferentes cenários da operação.
BEFORE
START
CHALLENGE RESPONSE ANSWERED BY
Pax signs panel .................SET
..................................LSP
PRESSURIZATION Panel..SET
..................................LSP
Oxygen masks...................CKD……….........................LSP/RSP
Flight instruments ..............X-CKD................................LSP
Thrust levers......................IDLE....................................LSP
------------------------------------------------------------------------------------------------
Fuel QTY ...........................CKD .........................LSP/RSP
MCDU................................SET
..................................LSP
TRIM
Panel........................___ SET/ZERO/ZERO.....LSP
Doors & windows...............CLSD........................LSP/RSP
Red beacon .......................ON....................................LSP
Emergency/Parking brake .AS
RQRD.........................LSP
AFTER STARTFTER START
CHALLENGE
RESPONSE ANSWERED
BY
Ground
equipment.............REMOVED.......................LSP
SLAT/FLAP........................___
SET...........................LSP
Flight controls ....................CKD
.................................LSP
BEFORE TOBEFORE TAKEOFF
CHALLENGE RESPONSE
ANSWERED
BY
Brakes temp ......................CKD
............................... ..LSP
EICAS................................CKD
............................... ..LSP
Transponder
......................TA/RA ..............................LSP
Takeoff configuration.........CKD
............................... ..LSP
AFTER TOAFTER TAKEOFF
CHALLENGE
RESPONSE ANSWERED
BY
Landing
gear......................UP..................................... PM
SLAT/FLAP........................0
....................................PM
APPROACH
CHALLENGE RESPONSE
ANSWERED
BY
Pax signs panel .................SET..................................
PM
Altimeters...........................SET/X-CKD......................
PF/PM
BEFORE LANDINGEFORE LANDING
CHALLENGE RESPONSE
ANSWERED
BY
Landing gear ......................DOWN.............................
PF/PM
SLAT/FLAP........................___ SET ….......................
PF/PM
SHUTDOWNSHUTDOWN
CHALLENGE RESPONSE
ANSWERED
BY
Emergency/Parking brake .SET
.................................LSP
START/STOP selectors.....STOP
...............................LSP
Hyd pump 3A.....................OFF
..................................LSP
LEAVING THE AIRPLANELEAVING THE AIRPLANE
CHALLENGE RESPONSE
ANSWERED
BY
Pax signs panel .................OFF
..................................LSP
GPU/APU...........................OFF
..................................LSP
Batteries 1 and
2................OFF ...............................LSP
V-
CONCLUSÃO
“Se o procedimento for mal desenvolvido,
mesmo os pilotos responsáveis desviam”. NASA
Procedimentos
e CL não substituem o piloto inteligente. Eles devem ser concebidos para
representar uma linha base de padronização e devem evitar reduzir o voo a um
ritual quase sem cérebro.
Antes
de desenvolver o SOP e o CL, a Empresa deve estabelecer uma filosofia e
política operacionais. Esta ação é fundamental, pois elas guiarão todas as
ações da Empresa: treinamento, manutenção, marketing, etc.
Veja o artigo “ON DESEGN OF FLIGHT DECK PROCEDURES” para mais detalhes sobre
a elaboração de SOP.
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