terça-feira, 12 de maio de 2020

FLIGHT DECK PROCEDURES


FLIGHT DECK PROCEDURES

“Success consists of going from failure to failure without loss of enthusiasm” W.Churchill”.

1- INTRODUÇÃO

a- Finalidade:

Este trabalho, desenvolvido tendo por base o documento da NASA – “ON THE DESIGN OF FLIGHT-DECK  PROCEDURES” e a AC 120-71A, emitida pelo FAA,  tem por finalidade:

Apresentar aos administradores da área de Operações um guia para o desenvolvimento dos procedimentos padrões, aplicáveis às Operações Aéreas.

b – Objetivos:

- Conhecer as causas que levam o piloto a desviar dos procedimentos;
- Conhecer os princípios recomendados para a elaboração de procedimentos padrões (SOP – “Standard Operating Procedures”);
- Conhecer os fatores que levam a uma modificação nos procedimentos;
- Reconhecer a importância de reavaliar e adequar procedimentos.

c - Motivação:

Em ambiente de alto risco, tais como as operações aéreas, a garantia para a segurança das operações é, normalmente, feita em forma de operações padronizadas (SOP).

O desvio do SOP tem sido uma das principais causas de acidentes. De 93 acidentes com jatos (perda total), cujos fatores predominantes foram causas operacionais, em 33% o desvio do SOP foi considerada a causa determinante.

Escrever procedimentos não é garantia de que eles serão seguidos. Não podemos esquecer que os procedimentos, embora definidos pelo Setor de Operações, na prática, são efetuados pela tripulação. O “Flight Standard” pode definir como o procedimento deve ser feito, mas no dia a dia, longe dos olhos do examinador e do instrutor, a realidade pode ser outra.

A função do “Flight Standard” é minimizar os desvios e a sua principal defesa é desenvolver procedimentos coerentes, sem ambiguidade, lógicos e simples.  É essencial que os procedimentos sejam bem aceitos, pois o preço por desvios pode ser muito alto.

2 – PRINCIPAIS CAUSAS DE DESVIOS DO SOP

Tenha em mente que, se o procedimento foi mal desenvolvido, mesmo os pilotos responsáveis desviam, por vários motivos:
·   Ambiguidade - interpretação ambígua de procedimentos mal escritos, certamente causará desvios;
·   Por complacência – estar satisfeito com a situação atual pode provocar queda na vigilância. Ela pode ser gerada pela segurança e  tolerância que os sistemas atuais transmitem – por se sentir mais seguro, a tendência é relaxar e, muitas vezes, deixar de efetuar o procedimento previsto;
·   Distração – devido excesso de trabalho no cockpit e fadiga;
·   Técnica incorreta de CRM;
·    Interrupção. Ex. Devido comunicação com o ATC.
·   Excesso de confiança, comum aos pilotos com muita experiência;
·   Humor - brincadeiras e trocadilhos no cockpit, principalmente ao efetuar os “call outs”, podem causar interpretações ambíguas nas comunicações.
·   Violação - tarefas difíceis, chatas e, muitas vezes, consideradas inúteis, podem ser causa de violação. Um procedimento que aumenta o “workload”, sem necessidade, provavelmente será ignorado e, pior ainda, pode criar uma cultura de “falta de confiança” em outros procedimentos.
Muitas vezes, o piloto tem certeza que seu procedimento é melhor. Afinal de contas, pilotos são indivíduos - possuem experiência, conceitos próprios e opiniões.

“Antes de punir o tripulante, o bom administrador deve ter certeza que o procedimento está adequado (sem ambiguidade, viável, adequado ao equipamento e ao tipo de operação).”

3 - GUIA PARA O DESENVOLVIMENTO DE PROCEDIMENTOS

A base fundamental para o desenvolvimento de procedimentos é estabelecer uma boa filosofia e uma política operacional bem definida.

a- Filosofia Operacional:

A filosofia operacional, normalmente definida pelos altos escalões, orienta os vários setores da Empresa: Operações, Treinamento, Manutenção e outros.

Ela, basicamente, lista os valores da Empresa, em ordem de prioridade. É abrangente, estratégica e deve ser utilizada para solucionar os conflitos.

Exemplos de filosofia operacional:

- A segurança do voo, sob quaisquer circunstâncias, é prioritária em todas as operações e atividades da Empresa.
- O piloto é o componente mais complexo, capaz e flexível do transporte aéreo e, portanto, ele é fundamental no processo decisório.
- A automação deve ser usada no nível mais apropriado para aumentar a segurança, conforto dos passageiros e a economia, mas não deve impedir a manutenção da habilidade do voo manual.
- A seleção de pilotos, os dispositivos de treinamento, os programas de treinamento, os procedimentos, os programas de controle de qualidade, os documentos de apoio e as operações diárias da Empresa devem estar de acordo com esta declaração de filosofia.

b- Política Operacional:

A Política Operacional, normalmente definida pelos responsáveis pela operação aérea, especifica regras gerais mais pragmáticas  para o desenvolvimento dos procedimentos. Essas regras norteiam os setores operacionais, principalmente o “Flight Standard”.

Exemplos de política operacional:

- A segurança do voo é prioritária em todas as operações aéreas.
- O “workload” nas fases críticas do voo deve ser reduzido e simplificado.
- A aeronave deve estar estabilizada e todos os "briefings" e "checklists" devem ser cumpridos acima de 1000 pés AGL.
- No solo, o CPT é responsável por solicitar os "checklists".
- Em voo, o PF é responsável por solicitar os "checklists".
- A RTO é sempre executada pelo comandante exceto em treinamento de comandante.
- É desejável que os pilotos pratiquem o voo manual, semanalmente, sempre em condições VMC.
- Os pilotos devem efetuar, mensalmente, pelo menos, uma aproximação simulada de Cat II.
- O SOP não deve definir técnicas de pilotagem, exceto se forem essenciais para a segurança do voo.
- A critério do CPT, ele deve alternar a operação com o copiloto.
- Visando o aprimoramento dos procedimentos operacionais, a Empresa deve criar um processo de “feedback” não punitivo.

c – Regras Gerais:

Os procedimentos devem ser desenvolvidos considerando:
- O procedimento é apropriado para a situação?
- É prático para ser usado?
- Quando e sob qual circunstância o procedimento vai ser executado?
- Os tripulantes entendem a razão e a lógica do procedimento?
- Está bem definido o tripulante que vai executar o procedimento?
- Instrutores e examinadores apoiam o uso do procedimento?  
- Como (em detalhes), o procedimento deve ser executado?

d – Critérios para o Desenvolvimento de Procedimentos:

(1)  - Evitar definir técnicas no SOP:
“People are wired very diferent”. Ray Dalio

As técnicas são desenvolvidas pelos pilotos durante anos de experiência e, cada piloto pode ter uma técnica diferente, de acordo com seu estilo. Preferencialmente, o piloto deve ter a liberdade de escolher a técnica mais adequada para a situação.
Insistir em definir técnicas no SOP restringe a capacidade dos pilotos em se adaptarem às variáveis inerentes ao voo, além de ser antieconômico é uma boa maneira de incentivar desvios, pois:
- Não respeita o estilo pessoal de cada piloto;
- Não consegue abranger todas as situações.

Genericamente, as técnicas devem ser analisadas da seguinte maneira:
- As técnicas que puderem ser empregadas sem alterar os procedimentos não devem ser proibidas;
- As técnicas que comprovadamente melhoram a operação e a segurança devem ser analisadas para implementação no SOP;
- As técnicas que potencialmente possam levar a desvios devem ser analisadas cuidadosamente.
Ex. definir o flap a ser usado em função do tamanho da pista. Neste caso, muitas outras variáveis podem influenciar.

Nota: algumas empresas ensinam as técnicas de pilotagem no simulador, mas não as engessam no SOP.

(2)  – Ser adequados à operação e ao equipamento:

O SOP deve estar de acordo com o tipo de operação: duração do voo, quantidade de etapas/dia, tempo de solo, tipo de terreno, ETOPS, voo Regional, cargo, etc. Uma operação regional, por exemplo, onde os pilotos efetuam o mesmo procedimento várias vezes ao dia, não necessariamente deve estar alinhada com uma operação internacional.

Ignorar estes fatos pode prejudicar a adesão e incentivar os desvios, pois:
- Pode aumentar o “workload” sem necessidade;
- Cria conflitos (cumprir o previsto x prejudicar a atenção);
- Cria reações.

Automação:

Quando desenvolver procedimentos e CLs para “cockpits” automatizados, lembre-se que eles devem estar de acordo com a tecnologia embarcada.
Ex. A automação, normalmente, reduz a quantidade de itens no CL, pois os sistemas do avião avisam o piloto quando uma ação não tiver sido efetuada.

      (4) - Incluir a comunicação interna (briefings):

Os procedimentos devem especificar os “call outs” e os “briefings”. Eles são ferramentas críticas para melhorar a coordenação da tripulação, principalmente em “cockpits” automatizados.

(5)  - Produzir resultados idênticos:

O resultado da ação decorrente do procedimento deve ser totalmente previsível. Caso permita ambiguidade, o procedimento deve ser redesenhado.

(6)  - Reduzir o “workload” nas fases críticas do voo:

O “Flight Standard” deve estar atento a procedimentos que provoquem alto “workload”, principalmente nas fases críticas do voo. Eles devem ser identificados e reduzidos (ou movidos para outra fase, com menor “workload”). Podem também ser designados para outro tripulantes. Ex. o procedimento de informar (comunicação inicial) aos passageiros sobre um Go Around foi transferido para a comissária líder.

(7)  - Promover o “feedback” e monitorar a adesão:
“It´s OK to make mistakes and unnaceptable not to learn from them”. Ray Dalio

Ter o “feedback” dos usuários é essencial, pois é a melhor maneira de saber se os procedimentos estão bem desenhados, seguros e eficientes. Deve-se estabelecer um processo formal com a finalidade de obter o retorno de informações sobre a adesão ao SOP.

Para se obter um bom “feedback” o processo deve abranger, pelo menos:
- Deve ser formal, não punitivo;
- Envolver os pilotos de linha, instrutores e examinadores;
- Identificar técnicas com potencial para provocar desvios;
- Novos procedimentos devem ser monitorados atentamente.

Nota: instrutores e examinadores podem monitorar a adesão aos procedimentos, mas a tendência é não ocorrer desvios quando eles estão a bordo. Este fato, por si só, reforça a necessidade do estabelecimento de uma cultura de “feedback”.    

(8)  - Normal "Checklist e Flows":

Normal CL:

O CL é uma lista abreviada dos procedimentos, normalmente lido após as ações terem sido executadas. A finalidade é conferir o que foi feito, para evitar que o piloto esqueça itens importantes. O excesso de itens no CL pode mascarar a importância dos itens críticos. Identifique a real necessidade do item constar do CL, principalmente nas fases do voo com alto “workload”.

O normal CL deve:

- Incluir os itens críticos (“killer items”): itens que, se esquecidos, podem provocar acidentes, incidentes ou mesmo danificar o equipamento.
Estes itens, normalmente, devem ter redundância.
Ex. Configuração do FLAP de decolagem.

Nota: a redundância pode ser tanto a conferência da execução do procedimento em duas situações e/ou na exigência dos 2 pilotos darem ciência que o item foi executado.

- Incluir os itens requeridos pela legislação:
Normalmente, são itens que fazem parte dos regulamentos do órgão regulador governamental.
Ex. Antes da partida do motor, o “beacon” deve ser ligado.

“Flows”:

São procedimentos de memória, realizados sem a necessidade de leitura da lista de conferência (CL).

Este tipo de procedimento tem a vantagem de manter um melhor alerta de situação, pois obriga o piloto a pensar, mas corre o risco de ser esquecido.

O “flight standard” deve considerar a elaboração de “flows” para os seguintes tipos de procedimentos:
- Procedimentos que, caso sejam esquecidos no “flow”, o sistema de alarmes do avião emita uma alerta;
- Procedimentos que, caso sejam esquecidos no “flow”, não provoquem nenhum risco para a tripulação, passageiros, pessoal de apoio, para a aeronave e nem contrarie a legislação.
Ex. After Landing CL - quando as ações se enquadrem nos critérios deste tópico.

(9)  - "CALL OUTs"

O “Call out” é um alerta definido no SOP, emitido oralmente por um dos pilotos, para chamar a atenção do outro piloto, e ajudar a manter o “alerta de situação” e melhorar a coordenação do voo. 

A implementação de um “call out” deve ter sua necessidade bem avaliada pelo “Flight Standard”. Apesar de ter seu valor, não podemos esquecer que o “call out” aumenta o “workload” o que pode causar distração.

Principalmente durante as fases críticas do voo (decolagem, aproximação), os “call outs” devem ser econômicos, simples, sem ambiguidade e cobrir apenas o necessário.

Antes de criar um “call out”, verifique:
- O “call out” deve ser criado com uma finalidade.  
Ex. O FOQA está detectando muito “exceedance” de velocidade durante a aproximação.
- Procure definir a raiz do problema. O que o está causando o problema? Esta é realmente a melhor ação para resolver o problema?
- Avaliar outras opções para resolver o problema: Ex. Treinamento.
- Que tipo (ver abaixo) de “call out” devo usar?
- O “call out” vai gerar aumento no “workload”? É aceitável?

Tipos de "Call Outs":

- “By exception” – o PM (“pilot monitoring”) só o efetua quando observar algo errado ou fora do padrão.
Ex. na partida do motor, o PM informa se houver algum parâmetro fora do padrão.

- “Sing Song” – o PM anuncia tudo, mesmo quando o comportamento do sistema está ocorrendo normal.
Dependendo da fase do voo, qualquer destes tipos de “call outs” pode ser adequado. É importante é entender que um novo “call out” aumenta o “workload” e pode reduzir a atenção do PM - sua implementação deve ser bem avaliada.

Orientação para escolher o tipo de “call out”:

O “By exception” é recomendado quando:
- Em tarefas longas, rotineiras, onde o sistema do avião sempre se comporta de maneira estável. Ex. partida do motor.
- A tarefa é previsível, de acompanhamento fácil e evidente (ocorre em frente dos pilotos) e os desvios são claros e providos de alerta pelo avião.

O “Sing Song” é recomendado quando:
- O sistema for altamente dinâmico, instável, pouco rotineiro;
- A tarefa requer um alto nível de monitoramento, pois a falta dele pode resultar em uma situação indesejável ou mesmo perigosa;
- O sistema de alerta do avião não possui um aviso efetivo, caso algo saia errado.
O “sing song” deve ser efetuado com economia de informação e ser de fácil memorização.

Nota – o simulador de voo é uma ferramenta valiosa para avaliação do “call out”, antes de sua implementação.

3- IMPLEMENTAÇÃO de MODIFICAÇÕES NOS PROCEDIMENTOS

Uma modificação nos procedimentos deve ser muito bem avaliada.

É fundamental definir sua real necessidade e:
- Evite modificações frequentes nos procedimentos, pois modificações frequentes podem diminuir sua importância;
- É melhor mudar muito, de uma só vez, do que efetuar pequenas mudanças;
- O procedimento modificado deve ser vendido - explique aos usuários não somente o mecanismo do procedimento, mas também a lógica que levou às mudanças.

a- Fatores que podem levar à modificação nos procedimentos:

- Alto índice de erros operacionais. Ex. Alta detecção de aproximação não estabilizada;
- Nova regulamentação. Ex. RNP-AR, CPDLC;
- Novo equipamento instalado. Ex. Autoland;
- Modificação na política operacional. Ex. Novos critérios de RTO;
- Mudança na filosofia de treinamento de uma manobra.
Ex. Mudança no treinamento de “approach to stall”;
- Novas ameaças. Ex. Fumaça de vulcão, terrorismo;
- Manutenção. Ex. Consumo excessivo de freio;
- Mudança de meio ambiente. Ex. Operação em terreno montanhoso;
- Nova administração. Ex. fusões e aquisições.

4 - CONCLUSÃO

Procedimentos são a espinha dorsal das operações no “cockpit”. Eles são a estrutura pela qual os pilotos operam o avião. Procedimentos são, provavelmente, um dos fatores mais importantes para a segurança do voo, em operações normais e anormais.  No entanto, por melhor que sejam, eles não são a prova de bala.

O meio ambiente em uma operação aérea é altamente dinâmico, procedimentos e políticas não conseguem abranger todas as situações. Eles fornecem apenas uma linha básica (baseline).

A tarefa do “Flight Standard” é fornecer a melhor “baseline” possível para ajudar os tripulantes de voo.

Tradicionalmente, acreditava-se que procedimentos fossem somente dependentes do “hardware” e do “software” embarcados. Na realidade, os procedimentos são também dependentes do ambiente operacional, da experiência do operador, da cultura e da natureza da operação da Empresa.

O procedimento operacional deve ser:
- Compatível (lógico e apropriado) com o tipo de aeronave;
- Consistente, assegurando aos pilotos de linha que existe uma razão para cada procedimento;
- Ter controle de qualidade, sentinela que fornece a padronização e monitora o seu cumprimento.

Mesmo em um sistema altamente cheio de procedimentos, existe espaço para individualismo e este pode e deve ser previsto nestes sistemas máquina-homem. Atualmente, não existem procedimentos capazes de substituir um inteligente operador humano. Portanto, as restrições do operador humano e o ambiente no qual ele opera deve ser extensivamente considerado no processo de desenvolver procedimentos.

Não existe um caminho absolutamente certo no desenvolvimento de procedimentos. Não existe uma receita pronta e nenhum administrador será capaz de dizer - “abra a caixa, instale o equipamento e use os bons procedimentos que acompanham”.

A Empresa deve estabelecer uma cultura de “feedback”, verificação final que comprova que, na vida real, o procedimento é válido e aceito.

Pilotos são treinados para voar seguindo procedimentos. Aeronaves são construídas para operar usando procedimentos. Os regulamentos do governo são baseados em procedimentos. É um processo longo, exaustivo e tedioso, mas não conhecemos nenhum atalho.

O “FLIGHT STANDARD”  deve evitar reduzir o voo a um ritual quase sem cérebro. Os procedimentos devem ser concebidos para representar uma linha base de padronização, mas não substituem o piloto inteligente.


Lembre-se:

"When things go very wrong, the last line of defense is the Aviator"

Unknown author


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