FLIGHT DECK PROCEDURES
“Success
consists of going from failure to failure without loss of enthusiasm”
W.Churchill”.
1- INTRODUÇÃO
a- Finalidade:
Este trabalho, desenvolvido tendo por base o documento da NASA – “ON THE DESIGN OF FLIGHT-DECK PROCEDURES” e a AC 120-71A, emitida pelo FAA, tem por finalidade:
Apresentar
aos administradores da área de Operações um guia para o desenvolvimento dos
procedimentos padrões, aplicáveis às Operações Aéreas.
b – Objetivos:
- Conhecer as causas que levam o piloto a desviar dos
procedimentos;
- Conhecer os princípios recomendados para a elaboração de
procedimentos padrões (SOP – “Standard Operating Procedures”);- Conhecer os fatores que levam a uma modificação nos procedimentos;
- Reconhecer a importância de reavaliar e adequar procedimentos.
c - Motivação:
Em ambiente de alto risco, tais como as
operações aéreas, a garantia para a segurança das operações é,
normalmente, feita em forma de operações padronizadas (SOP).
O desvio do SOP tem sido uma das principais causas de acidentes. De
93 acidentes com jatos (perda total), cujos fatores predominantes foram causas
operacionais, em 33% o desvio do SOP foi considerada a causa determinante.
Escrever procedimentos não é garantia de que eles serão seguidos.
Não podemos esquecer que os procedimentos, embora definidos pelo Setor de Operações,
na prática, são efetuados pela tripulação. O “Flight Standard” pode definir
como o procedimento deve ser feito, mas no dia a dia, longe dos olhos do
examinador e do instrutor, a realidade pode ser outra.
A função do “Flight Standard” é minimizar os desvios e a sua
principal defesa é desenvolver procedimentos coerentes, sem ambiguidade,
lógicos e simples. É essencial
que os procedimentos sejam bem aceitos, pois o preço por desvios pode ser muito
alto.
2 – PRINCIPAIS CAUSAS DE DESVIOS DO SOP
Tenha em
mente que, se o procedimento foi mal desenvolvido, mesmo os pilotos
responsáveis desviam, por vários motivos:
· Ambiguidade - interpretação
ambígua de procedimentos mal escritos, certamente causará desvios;
· Por complacência – estar
satisfeito com a situação atual pode provocar queda na vigilância. Ela pode ser
gerada pela segurança e tolerância que
os sistemas atuais transmitem – por se sentir mais seguro, a tendência é
relaxar e, muitas vezes, deixar de efetuar o procedimento previsto;
· Distração – devido excesso de
trabalho no cockpit e fadiga;
· Técnica incorreta de CRM;
· Interrupção. Ex. Devido
comunicação com o ATC.
· Excesso de confiança, comum
aos pilotos com muita experiência;
· Humor - brincadeiras e
trocadilhos no cockpit, principalmente ao efetuar os “call outs”, podem causar
interpretações ambíguas nas comunicações.
· Violação - tarefas difíceis,
chatas e, muitas vezes, consideradas inúteis, podem ser causa de violação. Um
procedimento que aumenta o “workload”, sem necessidade, provavelmente será
ignorado e, pior ainda, pode criar uma cultura de “falta de confiança” em
outros procedimentos.
Muitas vezes, o piloto tem certeza que seu procedimento é melhor.
Afinal de contas, pilotos são indivíduos - possuem experiência, conceitos
próprios e opiniões.
“Antes
de punir o tripulante, o bom administrador deve ter certeza que o procedimento
está adequado (sem ambiguidade, viável, adequado ao equipamento e ao tipo de
operação).”
3 - GUIA
PARA O DESENVOLVIMENTO DE PROCEDIMENTOS
A base fundamental para o
desenvolvimento de procedimentos é estabelecer uma boa filosofia e uma política
operacional bem definida.
a- Filosofia Operacional:
A filosofia operacional,
normalmente definida pelos altos escalões, orienta os vários setores da
Empresa: Operações, Treinamento, Manutenção e outros.
Ela, basicamente, lista os
valores da Empresa, em ordem de prioridade. É abrangente, estratégica e deve ser
utilizada para solucionar os conflitos.
Exemplos de filosofia operacional:
- A segurança do voo, sob quaisquer
circunstâncias, é prioritária em todas as operações e atividades da Empresa.
- O piloto é o componente mais complexo, capaz
e flexível do transporte aéreo e, portanto, ele é fundamental no processo
decisório.
- A automação deve ser usada no nível mais
apropriado para aumentar a segurança, conforto dos passageiros e a economia,
mas não deve impedir a manutenção da habilidade do voo manual.
- A
seleção de pilotos, os dispositivos de treinamento, os programas de
treinamento, os procedimentos, os programas de controle de qualidade, os
documentos de apoio e as operações diárias da Empresa devem estar de acordo com
esta declaração de filosofia.
b-
Política Operacional:
A Política Operacional, normalmente definida
pelos responsáveis pela operação aérea, especifica regras gerais mais
pragmáticas para o desenvolvimento dos
procedimentos. Essas regras norteiam os setores operacionais, principalmente o “Flight
Standard”.
Exemplos de política operacional:
- A
segurança do voo é prioritária em todas as operações aéreas.
- O
“workload” nas fases críticas do voo deve ser reduzido e simplificado.
- A
aeronave deve estar estabilizada e todos os "briefings" e "checklists" devem ser
cumpridos acima de 1000 pés AGL.
- No
solo, o CPT é responsável por solicitar os "checklists".
- Em
voo, o PF é responsável por solicitar os "checklists".
-
A RTO é sempre executada pelo comandante exceto em treinamento de comandante.
- É
desejável que os pilotos pratiquem o voo manual, semanalmente, sempre em
condições VMC.
- Os
pilotos devem efetuar, mensalmente, pelo menos, uma aproximação simulada de Cat
II.
- O SOP
não deve definir técnicas de pilotagem, exceto se forem essenciais para a
segurança do voo.
- A
critério do CPT, ele deve alternar a operação com o copiloto.
- Visando
o aprimoramento dos procedimentos operacionais, a Empresa deve criar um
processo de “feedback” não punitivo.
c – Regras Gerais:
Os
procedimentos devem ser desenvolvidos considerando:
- O
procedimento é apropriado para a situação?- É prático para ser usado?
- Quando e sob qual circunstância o procedimento vai ser executado?
- Os tripulantes entendem a razão e a lógica do procedimento?
- Está bem definido o tripulante que vai executar o procedimento?
- Instrutores e examinadores apoiam o uso do procedimento?
- Como (em detalhes), o procedimento deve ser executado?
d – Critérios para o Desenvolvimento de Procedimentos:
(1) - Evitar definir técnicas no SOP:
“People
are wired very diferent”. Ray Dalio
As técnicas são desenvolvidas pelos pilotos durante anos de
experiência e, cada piloto pode ter uma técnica diferente, de acordo com seu
estilo. Preferencialmente, o piloto deve ter a liberdade de escolher a técnica
mais adequada para a situação.
Insistir em definir técnicas no SOP restringe a capacidade dos
pilotos em se adaptarem às variáveis inerentes ao voo, além de ser antieconômico
é uma boa maneira de incentivar desvios, pois:
- Não respeita o estilo
pessoal de cada piloto;- Não consegue abranger todas as situações.
Genericamente, as técnicas devem ser analisadas da seguinte
maneira:
- As técnicas que puderem ser
empregadas sem alterar os procedimentos não devem ser proibidas;
- As técnicas que
comprovadamente melhoram a operação e a segurança devem ser analisadas para
implementação no SOP;
- As técnicas que
potencialmente possam levar a desvios devem ser analisadas cuidadosamente.
Ex.
definir o flap a ser usado em função do tamanho da pista. Neste caso, muitas
outras variáveis podem influenciar.
Nota:
algumas empresas ensinam as técnicas de pilotagem no simulador, mas não as
engessam no SOP.
(2) – Ser adequados à operação e ao equipamento:
O SOP deve estar de acordo
com o tipo de operação: duração do voo, quantidade de etapas/dia, tempo de
solo, tipo de terreno, ETOPS, voo Regional, cargo, etc. Uma operação regional,
por exemplo, onde os pilotos efetuam o mesmo procedimento várias vezes ao dia,
não necessariamente deve estar alinhada com uma operação internacional.
Ignorar estes fatos pode prejudicar a adesão e incentivar os
desvios, pois:
- Pode aumentar o “workload”
sem necessidade;- Cria conflitos (cumprir o previsto x prejudicar a atenção);
- Cria reações.
Automação:
Quando desenvolver
procedimentos e CLs para “cockpits” automatizados, lembre-se que eles devem
estar de acordo com a tecnologia embarcada.
Ex. A automação, normalmente,
reduz a quantidade de itens no CL, pois os sistemas do avião avisam o piloto
quando uma ação não tiver sido efetuada.
(4) - Incluir a
comunicação interna (briefings):
Os procedimentos devem
especificar os “call outs” e os “briefings”. Eles são ferramentas críticas para
melhorar a coordenação da tripulação, principalmente em “cockpits”
automatizados.
(5) - Produzir resultados idênticos:
O resultado da ação
decorrente do procedimento deve ser totalmente previsível. Caso permita
ambiguidade, o procedimento deve ser redesenhado.
(6)
- Reduzir
o “workload” nas fases críticas do voo:
O “Flight Standard” deve
estar atento a procedimentos que provoquem alto “workload”, principalmente nas
fases críticas do voo. Eles devem ser identificados e reduzidos (ou movidos
para outra fase, com menor “workload”). Podem também ser designados para outro
tripulantes. Ex. o procedimento de informar (comunicação inicial) aos
passageiros sobre um Go Around foi transferido para a comissária líder.
(7) - Promover o “feedback” e monitorar a adesão:
“It´s OK
to make mistakes and unnaceptable not to learn from them”. Ray Dalio
Ter o “feedback” dos usuários é essencial, pois é a melhor maneira
de saber se os procedimentos estão bem desenhados, seguros e eficientes. Deve-se
estabelecer um processo formal com a finalidade de obter o retorno de
informações sobre a adesão ao SOP.
Para se obter um bom “feedback” o processo deve abranger, pelo
menos:
- Deve ser formal, não
punitivo;- Envolver os pilotos de linha, instrutores e examinadores;
- Identificar técnicas com potencial para provocar desvios;
- Novos procedimentos devem ser monitorados atentamente.
Nota:
instrutores e examinadores podem monitorar a adesão aos procedimentos, mas a
tendência é não ocorrer desvios quando eles estão a bordo. Este fato,
por si só, reforça a necessidade do estabelecimento de uma cultura de
“feedback”.
(8) - Normal "Checklist e Flows":
Normal
CL:
O CL é uma lista abreviada dos procedimentos,
normalmente lido após as ações terem sido executadas. A finalidade é conferir o
que foi feito, para evitar que o piloto esqueça itens importantes. O excesso de
itens no CL pode mascarar a importância dos itens críticos. Identifique a real
necessidade do item constar do CL, principalmente nas fases do voo com alto “workload”.
O normal CL deve:
- Incluir
os itens críticos (“killer items”): itens que, se esquecidos, podem provocar
acidentes, incidentes ou mesmo danificar o equipamento.
Estes
itens, normalmente, devem ter redundância.Ex. Configuração do FLAP de decolagem.
Nota: a redundância pode ser
tanto a conferência da execução do procedimento em duas situações e/ou na
exigência dos 2 pilotos darem ciência que o item foi executado.
- Incluir os itens requeridos pela legislação:
Normalmente, são itens que fazem parte dos
regulamentos do órgão regulador governamental.
Ex. Antes da partida do motor, o “beacon” deve
ser ligado.
“Flows”:
São procedimentos de memória, realizados sem a necessidade de leitura da lista de conferência (CL).
Este
tipo de procedimento tem a vantagem de manter um melhor alerta de situação,
pois obriga o piloto a pensar, mas corre o risco de ser esquecido.
O “flight standard” deve considerar a
elaboração de “flows” para os seguintes tipos de procedimentos:
- Procedimentos que, caso
sejam esquecidos no “flow”, o sistema de alarmes do avião emita uma alerta;
- Procedimentos que, caso
sejam esquecidos no “flow”, não provoquem nenhum risco para a tripulação,
passageiros, pessoal de apoio, para a aeronave e nem contrarie a legislação.
Ex. After Landing CL - quando as ações se
enquadrem nos critérios deste tópico.
(9) - "CALL OUTs"
O “Call
out” é um alerta definido no SOP, emitido oralmente por um dos pilotos, para chamar
a atenção do outro piloto, e ajudar a manter o “alerta de situação” e melhorar a coordenação do voo.
A implementação de um “call out” deve ter sua necessidade bem
avaliada pelo “Flight Standard”. Apesar de ter seu valor, não podemos esquecer
que o “call out” aumenta o “workload” o que pode causar distração.
Principalmente durante as
fases críticas do voo (decolagem, aproximação), os “call outs” devem ser
econômicos, simples, sem ambiguidade e cobrir apenas o necessário.
Antes de criar um “call out”, verifique:
- O “call out” deve ser
criado com uma finalidade. Ex. O FOQA está detectando muito “exceedance” de velocidade durante a aproximação.
- Procure definir a raiz do problema. O que o está causando o problema? Esta é realmente a melhor ação para resolver o problema?
- Avaliar outras opções para resolver o problema: Ex. Treinamento.
- Que tipo (ver abaixo) de “call out” devo usar?
- O “call out” vai gerar aumento no “workload”? É aceitável?
Tipos de "Call Outs":
- “By
exception” – o PM (“pilot monitoring”) só o efetua quando observar algo
errado ou fora do padrão.
Ex. na
partida do motor, o PM informa se houver algum parâmetro fora do padrão.
- “Sing
Song” – o PM anuncia tudo, mesmo quando o comportamento do sistema está
ocorrendo normal.
Dependendo da fase do voo, qualquer destes tipos de “call outs”
pode ser adequado. É importante é entender que um novo “call out” aumenta o “workload”
e pode reduzir a atenção do PM - sua implementação deve ser bem avaliada.
Orientação para escolher o tipo de “call out”:
O “By exception” é
recomendado quando:
- Em tarefas longas,
rotineiras, onde o sistema do avião sempre se comporta de maneira estável. Ex.
partida do motor.
- A tarefa é previsível, de
acompanhamento fácil e evidente (ocorre em frente dos pilotos) e os desvios são
claros e providos de alerta pelo avião.
O “Sing
Song” é recomendado quando:
- O sistema for altamente
dinâmico, instável, pouco rotineiro;
- A tarefa requer um alto
nível de monitoramento, pois a falta dele pode resultar em uma situação
indesejável ou mesmo perigosa;
- O sistema de alerta do
avião não possui um aviso efetivo, caso algo saia errado.
O “sing song” deve ser efetuado
com economia de informação e ser de fácil memorização.
Nota – o simulador de voo é uma ferramenta
valiosa para avaliação do “call out”, antes de sua implementação.
3- IMPLEMENTAÇÃO de MODIFICAÇÕES NOS PROCEDIMENTOS
Uma
modificação nos procedimentos deve ser muito bem avaliada.
É
fundamental definir sua real necessidade e:
- Evite
modificações frequentes nos procedimentos, pois modificações frequentes podem
diminuir sua importância;
- É
melhor mudar muito, de uma só vez, do que efetuar pequenas mudanças;
- O
procedimento modificado deve ser vendido - explique aos usuários não somente o
mecanismo do procedimento, mas também a lógica que levou às mudanças.
a- Fatores
que podem levar à modificação nos procedimentos:
- Alto índice de erros operacionais. Ex. Alta detecção de aproximação não estabilizada;
- Nova regulamentação. Ex. RNP-AR, CPDLC;
- Novo equipamento instalado. Ex. Autoland;
- Modificação na política operacional. Ex. Novos critérios de RTO;
- Mudança na filosofia de treinamento de uma manobra.
Ex. Mudança no treinamento de “approach to stall”;
- Novas ameaças. Ex. Fumaça de vulcão, terrorismo;
- Manutenção. Ex. Consumo excessivo de freio;
- Mudança de meio ambiente. Ex. Operação em terreno montanhoso;
- Nova administração. Ex. fusões e aquisições.
4 - CONCLUSÃO
Procedimentos são a espinha dorsal das operações no “cockpit”. Eles
são a estrutura pela qual os pilotos operam o avião. Procedimentos são,
provavelmente, um dos fatores mais importantes para a segurança do voo, em
operações normais e anormais. No entanto,
por melhor que sejam, eles não são a prova de bala.
O meio ambiente em uma operação aérea é altamente dinâmico, procedimentos
e políticas não conseguem abranger todas as situações. Eles fornecem apenas uma
linha básica (baseline).
A tarefa do “Flight Standard”
é fornecer a melhor “baseline” possível para ajudar os tripulantes de voo.
Tradicionalmente, acreditava-se que procedimentos fossem somente
dependentes do “hardware” e do “software” embarcados. Na realidade, os
procedimentos são também dependentes do ambiente operacional, da experiência do
operador, da cultura e da natureza da operação da Empresa.
O procedimento operacional deve ser:
- Compatível (lógico e apropriado)
com o tipo de aeronave;
- Consistente, assegurando
aos pilotos de linha que existe uma razão para cada procedimento;
- Ter controle de qualidade, sentinela
que fornece a padronização e monitora o seu cumprimento.
Mesmo em um sistema altamente cheio de procedimentos, existe espaço
para individualismo e este pode e deve ser previsto nestes sistemas
máquina-homem. Atualmente, não existem procedimentos capazes de substituir um
inteligente operador humano. Portanto, as restrições do operador humano e o
ambiente no qual ele opera deve ser extensivamente considerado no processo de
desenvolver procedimentos.
Não existe um caminho absolutamente
certo no desenvolvimento de procedimentos. Não existe uma receita pronta e nenhum
administrador será capaz de dizer - “abra a caixa, instale o equipamento e use
os bons procedimentos que acompanham”.
A Empresa deve estabelecer
uma cultura de “feedback”, verificação final que comprova que, na vida real, o
procedimento é válido e aceito.
Pilotos são treinados para voar seguindo procedimentos. Aeronaves
são construídas para operar usando procedimentos. Os regulamentos do governo
são baseados em procedimentos. É um processo longo, exaustivo e tedioso, mas
não conhecemos nenhum atalho.
O “FLIGHT STANDARD” deve
evitar reduzir o voo a um ritual quase sem cérebro. Os procedimentos devem ser
concebidos para representar uma linha base de padronização, mas não substituem
o piloto inteligente.
Lembre-se:
"When things go very wrong,
the last line of defense is the Aviator"
Unknown author
Muito bom, chefe!!! Obrigado
ResponderExcluirValeu Fabio. Abração
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