terça-feira, 3 de junho de 2014

Power Distance X CRM

A Influência do "Power Distance" no CRM
Cenário:
Voo em rota, o PF é o copiloto e o comandante o PM. IMC, a 35.000 pés, noturno, formação à frente sendo mostrada no radar.
Como é que o comandante orienta o copiloto para desviar da formação?
Normalmente, o comandante (PM neste caso) se adianta e pede o desvio ao ATC, muitas vezes sem coordenar com o copiloto.
Agora, imagine a situação inversa:
Formação na proa e o comandante atuando como PF.
Qual seria a reação do copiloto ao perceber que o comandante não toma iniciativa para desviar da formação?
Neste caso, normalmente, o copiloto tenta sugerir um desvio ao comandante.
Exemplos de como o copiloto tenta “sugerir” esse desvio:
- Tem muita formação de CB por aqui nesta época do ano; ou
- É, parece que aquele CB é dos grandes; ou
- Comandante, o senhor acha que devemos desviar dessa formação; ou
- Comandante, o senhor quer que eu peça algum desvio; ou
- Comandante, posso pedir um desvio de 10 milhas para a esquerda; etc.
Nessas situações é que a influência da cultura da sociedade pode ser uma barreira para a comunicação. Dependendo da cultura da sociedade, o copiloto vai suavizar a maneira de falar com o comandante. Ainda pode existir o agravante de o comandante ser bem mais experiente e o copiloto pensar “ele sabe o que está fazendo” e não falar nada.
Feita esta introdução, vamos analisar um dos índices que serve para medir a cultura de uma sociedade, o PDI (Power Distance Index), e sua influência nos acidentes na Aviação.
Definição de PDI
O PDI tem sido definido como o índice que mede a extensão com que os membros menos favorecidos de uma sociedade aceita e espera a igualdade com que o poder seja distribuído.
Ele representa a desigualdade (mais versus menos), definida de baixo para cima e não de cima para baixo. Ou seja, o nível de desigualdade é endossado pelos subordinados e não pelos superiores. Em resumo, é a distância que o subordinado define existir entre ele e seu superior hierárquico.
Considerando uma escala de 1 a 100, 1 é quando o subordinado acredita não existir desigualdade e 100 é quando ele acredita que a desigualdade é muito grande. Nos países de índice menores, os subordinados têm mais liberdade e confiança para expressarem suas dúvidas e opiniões. O oposto é verdadeiro e é muito prejudicial à comunicação.
Por exemplo, de acordo com os índices de alguns estudiosos do assunto, a Malásia tem um PDI próximo a 100. Na Áustria, no entanto, ele é abaixo de 10.
Isto indica que, na cultura da sociedade da Malásia, a distância entre o subordinado e o superior é enorme. Já na Áustria, um dos menores PDI do mundo, o subordinado acredita que essa distância quase não existe.
No Brasil, os especialistas no assunto definiram um PDI próximo de 65, considerado alto. Podemos ver claramente na sociedade brasileira estas diferenças. Podemos ver, diariamente, como os menos favorecidos e subordinados são submissos e raramente emitem sua opinião.
Nas Empresas brasileiras, principalmente quando retorna de cursos de MBA, o administrador costuma dizer que “sua porta está aberta”. Isso não basta. O subordinado tem que confiar que realmente “a porta está aberta”. Essa situação deve ser aceita de baixo para cima, do subordinado para seu superior.
"Power distance" na Aviação
Em agosto de 1997, um B-747 da Korean Air colidiu com o morro Nimitz durante a aproximação para a pista 06L em Guam. 228 pessoas, das 254 que estavam a bordo, morreram. O comandante havia efetuado um “briefing” considerando em uma aproximação ILS e VMC. Próximo ao campo o cenário mudou, passou a ser procedimento Localizer (glide slope em pane) e IMC.
Acredita-se que o alto "power distance" da Coréia do Sul tenha sido um dos fatores contribuintes. O comandante estava pilotando e os demais tripulantes (1st. Officer e FE) suavizaram as informações no momento em que perceberam a necessidade de uma arremetida. Também aceitaram um “briefing” muito sucinto, embora o FE tenha indicado (por ter visto no radar) que as condições eram IMC.

Em Janeiro de 1990, um B-707 da Avianca caiu em pane seca durante a aproximação em NY, após 77 minutos de espera devido a nevoeiro. Setenta e três, das 158 pessoas a bordo, morreram. De acordo com o relatório final, os pilotos falharam em declarar emergência de combustível. O idioma talvez tenha contribuído, mas acredita-se que a diferença cultural entre os pilotos colombianos e os controladores de NY tenha sido o fator contribuinte decisivo. O copiloto colombiano (PDI colombiano semelhante ao do Brasil) deixou de declarar emergência de combustível. Ele apenas deu dicas ao controlador – “we are running out of fuel” – sem declarar emergência. Ora, para os controladores de NY, todo mundo que está voando está “running out of fuel”.
A comunicação tem sido um dos fatores contribuintes em muitos dos acidentes aéreos. A cultura da sociedade e a maneira como a hierarquia é compreendida tem influência fundamental na comunicação.
Objetivo
Este POST visa alertar as tripulações para essa importante característica cultural da sociedade brasileira. Também ousa emitir algumas orientações.
Fazendo uma analogia com o administrador que acabou de completar o MBA, não adianta o comandante dizer que a porta do "cockpit" está aberta”. Os demais companheiros é que tem que achar que a “porta realmente está aberta”. Ou seja, cabe ao comandante conquistar a confiança de seus colegas de trabalho. Essa confiança só vai ser conquistada com respeito, exemplo, profissionalismo, conhecimento e muito trabalho.
Orientações
Normalmente, os problemas de comunicação aparecem nas situações onde o “workload” e o cansaço da tripulação são altos - nas emergências e anormalidades, nas longas jornadas, nos voos noturnos e nas condições meteorológicas desfavoráveis.
Um exemplo de como podemos mitigar os problemas de comunicação, nas situações onde o “workload” for muito alto, é o comandante, em determinada fase do voo, deixar o copiloto de pilotar e a aeronave.
À primeira vista parece incoerente?
Deixar o menos experiente com a pilotagem!
Para ilustrar, vamos imaginar uma falha de motor na decolagem (após a V1), e dividir o evento em 3 fases (comandante – PF e copiloto - PM):
1- Inicialmente, a aeronave tem de ser controlada e pilotada para ganhar altura (sem bater em nada). Após, a aeronave deve ser configurada para F/S zero, a potência do motor reduzida, e os procedimentos relativos à falha executados.
2- Depois vem a fase de execução dos demais procedimentos, análise das informações disponíveis e das condições da aeronave, tomada de decisão (onde pousar, como pousar, etc.), controle da autonomia, coordenação com o ATC, com a empresa e com a tripulação de cabine e preparação para a aproximação e pouso.
3- Finalmente, caso a situação persista, é realizada uma aproximação e pouso com o motor falhado.
Criado este cenário, podemos então perguntar:
Em que fase seria melhor o piloto mais experiente estar pilotando?
Quem poderia melhor administrar a fase 2 (fase de planejamento e decisão)?
Como possível resposta, emito a opinião abaixo e deixo o assunto aberto para discussão:
“O comandante deve ser o PM na fase 2. Com isso, ele fica livre para administrar o voo e tomar as decisões necessárias com mais tranquilidade. Nas fases 1 e 3, onde é exigida uma experiência maior de pilotagem, penso que o comandante deve se manter na pilotagem da aeronave”.
Tenho observado, nos treinamentos de simulador, uma tendência - o comandante, quando atuando como PF da sessão, quer voar o tempo todo. Entendo que ele quer aproveitar o simulador para praticar a pilotagem. No entanto, fazendo isso, ele deixa de praticar o CRM.
Essa é uma mudança de paradigma que talvez você deva ponderar.
LEMBREM-SE, A GENTE VOA COMO TREINA.
Nos dois acidentes relatados o comandante era o PF, o tempo todo. Talvez a corrente que provocou os acidentes pudesse ter sido quebrada se ele tivesse se dedicado mais à tarefa de planejamento.
No caso do acidente da Korean Air, ele poderia ter transferido a pilotagem (para planejar melhor a descida e completar o “briefing”) quando ficou sabendo que o "Glide Slope" estava em pane e que as condições meteorológicas degradaram.
No caso da Avianca, se houvesse transferido a pilotagem durante a espera de 77 minutos, o comandante poderia ter melhor planejado o combustível e negociado o pouso com o controlador de voo de Nova Iorque.



Happy CRMs.


Um comentário:

  1. Prezado Duarte Alves, gostei muito de seu post sobre power distance. Gostaria de explorar mais o assunto. O sr. poderia por gentileza me informar a fonte dessa escala de 1 a 100. Malásia tem um PDI próximo a 100. PDI na Áustria é abaixo de 10. PDI no Brasil próximo de 65. Meu email é brunoblaya@yahoo.com.br.
    Grato,
    Bruno

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